ALDO CALVET

 

JORNALISMO : NOVIDADES


CRITÍCAS DE ALDO CALVET QUE SERÃO

PUBLICADAS NO FOLHETIM

Perdoa-me por me traíres,

no Municipal (3)


[CALVET, Aldo]. Perdoa-me por me traíres, no Municipal – (3).


Após breve exame sobre a tentativa da nova estética dramática como concepção e realização (texto e representações vistos em fase experimental), voltemos à investigação dos problemas e conflitos psicológicos que a obra sugere ou discute no ambiente em que transcorre a ação, isto é, no âmbito da subestrutura econômica da sociedade brasileira. Procura-se agora não o “intérprete-autêntico”, mas a “personagem-autêntica”. Dentro deste propósito, façamos também abstração daquilo que Barsaq chama de “o mundo do mistério teatral”. Partindo da ideia de adolescência transviada em consequência da qual se nos abre de par em par o mundo abismal de Perdoa-me por me traíres, resta saber, pois, se Nair e Glorinha existem, se existem Pola Negri, Madame Luba, Dr. Jubileu de Almeida, Raul, Judith, Gilberto e aquele médico especialista em intervenções cirúrgicas anticoncepcionais. Com exceção talvez única de Raul, assassino passional pouco comum, esquizofrênico e incestuoso, todos os demais são tipos quase que generalizados. Quem dirá o contrário, por exemplo, de Madame Luba, cujo degradante “ofício” é secular e universal? De Judith que não passa de simples adúltera? De Pola Negri que tudo indica tratar-se de um uranista ou “eunucoide” (espécime de homossexualismo por fenômeno endógeno)? De Nair e Glorinha, aquela com prenúncio de bissexual e esta apenas inibida pelo medo, mas com visíveis inclinações a práticas anormais? De Gilberto, que é um erotômano, pois ineludível é a sua afetação cerebral por amor excessivo? E, finalmente, do Dr. Jubileu de Almeida, que se enquadra perfeitamente entre os fetichistas a distância, ele que é, ao mesmo tempo, visualista-auditivista? As características são nítidas à luz da psiquiatria e da psicanálise. Confirma-se assim a existência da “personagem-autêntica”. Todas aparecem como seres vivos, palpáveis, enfermos psico-físicos, sim, mas humanos, monstros, se quiserem, anormais, se preferem, mas até curáveis, pois não é outra coisa que deseja o dramaturgo na esperança de se poder salvar os que reagem, pelo inconsciente, porque sentem a aproximação do báratro que os espera e para o qual caminham sem remissão assim como as suas desvairadas personagens. Se, como vimos, existe a “personagem-autêntica”, na realidade integral, em corpo e alma, é mais que natural existam e palpitem as angústias que sofrem e os problemas que suscitam no seio da sociedade. Nelson Rodrigues busca-as dos seus abismos com suas paixões bárbaras e primitivas, com suas misérias morais inconfessáveis, com suas imensas tragédias íntimas, doentias, enfermiças, libertando-as da censura que as sufoca e asfixia, faz com que se penitenciem diante da platéia com suas confissões mais atrozes e iníquas. Eles esperam dos que são sadios de carne e espírito, proteção e amparo e nunca condenação.

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