ALDO CALVET

 

Gênero:

  1. Drama com música (árias de operetas) – 1 ato 1971



Sinopse:

  1. Maestro italiano chega jovem ao Brasil, fazendo parte de Companhia de operetas. 


Prêmio:

  1. Premiada no concurso de peças da Fundação Casa do Estudante    

  2. do Brasil  -  1973


Leitura no Projeto:

  1. “Tudo é Teatro” – de Giulia Gam -  Espaço SESC (Rio de Janeiro) 15.06.2004 – com os atores Cláudio Mendes – Giulia Gam – Isabel Lobo - Ana Couto – Renato Bavier – Alexandre   Moreno


APRESENTAÇÃO:

  1. Decide, após a temporada, ficar aqui e nunca mais voltou à sua terra natal. Já velho, esclerosado, imagina compor sua obra-prima, mas do piano só extrai trechos de operetas famosas que regeu no passado. Sua filha, executiva de grande empresa, mulher independente, assume todas as despesas do pai. Ela vive com um jovem belo, porém boçal, apenas para satisfazer seu instinto feminino. A ação,  localizada em pequeno apartamento numa dessas “favelas de concreto”, expõe tipos característicos como a vizinha fofoqueira, porteiro do prédio, tocador de trombone que é a própria poluição sonora, a empregada doméstica que se insinua sensualmente para o ancião, pensando tirar proveito da situação. Num de seus delírios, ele sofre um colapso e morre. É o drama da frustração entremeado de cenas em transfigurações do plano realista para o evocativo, dando margem à apresentação de trechos de operetas imortais.


PERSONAGENS:


  1. PLANO REALISTA:

  2. BERTINI – o maestro-regente-compositor idoso

  3. ENRICA – a filha do maestro

  4. BEBETO – o namorado malandro de Enrica

  5. MILOCA – a vizinha maldizente

  6. MEMECA – a serviçal

  7. ANTÔNIO PEDRO – o baterista porteiro do edifício



  8. PLANO EVOCATIVO:

  9. OKU – O trombonista aprendiz

  10. ROSIER – a soprano 

  11. ROSSI – o tenor

  12. GIUSEPPE

  13. LUIGI

  14. ROSINA


CENÁRIO:

  1. Fachada de edifício tipo cabeça-de-porco de cimento armado projetada ao F. À D.B., uma seqüência de janelas agrupadas que se perdem umas sobre as outras lá pelo urdimento a dentro. No palco, a sala do apartamento de Bertini. Composição: desarrumação, pouco trato, um piano velho, empoeirado, aberto, pilhas de partituras espalhadas aqui e ali, assim como maços de papel de pauta são vistos pelo chão e sobre os móveis. Poltrona, jornais antigos, revistas, um sofá desbotado etc.


LINGUAJAR:

  1. Aos intérpretes é dada absoluta liberdade no uso de palavras e frases, pois são elas apenas elementos de composição característica das personagens.


DISPOSIÇÃO CÊNICA :

  1. A cena aberta permanece escura por um segundo. Durante esse segundo de plena escuridão, no palco e na platéia, ouvem-se ruídos estridentes e sons confusos misturados e confundíveis. O objetivo é criar o clima em que vai haver intercomunicação de personagens e espectadores. Claro que a permanência dessa atmosfera ensurdecedora sofre hiatos, uns muito breves, outros mais longos. No decorrer de tais colapsos sonoros ou ruídicos é que as personagens dialogam.


PERFIL DAS PERSONAGENS:


  1. GIUSEPPE BERTINI imagina compor uma opereta que nunca sequer chega às primeiras notas, mas, sobre a excelência da obra em elaboração, passa todo o tempo a falar, enquanto exalta o gênero, como saudosista irrecuperável. Ao piano, ele só extrai trechos de árias de operetas famosas.


  2. Conforme experiência de Joseph Bogen, do Ross-Loos Medical Group de Los Angeles, e de Jarold Gordon, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, BERTINI está com o hemisfério cerebral direito afetado pela esclerose, pois aí é onde se situa a parte da criatividade do ser humano. Como o hemisfério cerebral esquerdo não foi afetado, sendo essa a parte em que se centraliza a palavra, BERTINI fala desembaraçad-amente. As manifestações de plena lucidez se explicam com base na mesma teoria, pois nesses instantes BERTINI atinge o que os dois cientistas americanos chamam de bilateralidade. Afirmam eles que “Quando um hemisfério cerebral põe alguma coisa na memória, é para sempre”.


  3. Ainda moço, BERTINI aqui chegara numa companhia lírica italiana qualquer e aqui se deixara ficar como maestro-regente de companhias de operetas da primeira década deste século. Orgulhoso de um valor inexistente, por aí ficou a recordar sua Itália distante e a proclamar seus êxitos fantásticos, simples mentiras que, por tantas vezes repetidas, se converteram em verdades para ele e para muitos que não o conheceram. Já agora, em plena decadência, GIUSEPPE BERTINI não passa de uma ruína humana carregada de ilusões, de saudades, de lembranças vagas, difusas, de fantasmas apodrecidos na grande vala comum de frustrações tantas, sendo que a maior é a dessa opereta que não consegue compor e que por ela tanto se obstina. Há vários anos, BERTINI está separado da esposa, uma antiga corista do Teatro São José. Nem BERTINI nem a filha ENRICA sabem mais por onde anda essa debandada do matrimônio, perdida e impedida de novo casamento numa sociedade que não admite o divórcio.


  4. ENRICA é uma mulher pra frente, como melhor entendemos atualmente: belíssima, desfrutável, inteligente, trabalha como secretária do presidente de uma empresa de publicidade estrangeira, ganhando o que quer, porque não tem nenhum tipo de preconceito nem tampouco nenhuma espécie de inibição. Veste-se no rigor da moda e até com certo exagero. Não foi feliz no casamento, porque o marido, diplomata de carreira e de algum recurso financeiro, revelou, como mal súbito, seu incontrolável e insofrido homossexualismo. Em vista disso e por temperamento, ENRICA se faz acompanhar de BEBETO, que ela sustenta e ostenta com exibição e vaidade muito femininas, podendo, assim, dispor dele à vontade, a ponto, talvez, de cedê-lo como macho-consolo a uma amiga necessitada. ENRICA sustenta o velho pai, como melhor lhe é possível, pois tem por ele grande estima e dedicação. BEBETO é um belo jovem, mas boçal e, às vezes rude como um desaforo ou um desavisado. No íntimo, porém, não passa de um pobre moço sentimental. No meio de sua ignorância avassalante, surge-lhe, em breves instantes, lampejos de surpreendente clarividência.


  5. MILOCA, a vizinha maldizente, é um perfeito exemplar da promiscuidade da moradia em habitações coletivas. É o retrato da fofoca, dia bisbilhotice, do meio ambiente fossilizante, onde imperam o rádio e a televisão a todo volume, as conversas entre vizinhos em linguagem irreverente, desabrida, nada recomendável.


  6. OKU, o trombonista, é a poluição auditiva e sonora, o barulho ensurdecedor, o ruído incontrolável, indomável, tudo persistente, constante, irritante.


  7. MEMECA é a expressão do deboche sensual, dessa falta de compostura e decadência que não mede distância entre deveres e obrigações de empregados para patrões. Diríamos que o erotismo desse tipo sofre de certo distúrbio psíquico de origem sifilítica ( fator exógeno ) de procedência congênita do cruzamento de criaturas sem exame pré-nupcial, tão comum nas camadas mais baixas da sociedade.

  8. ANTÔNIO PEDRO reflete outro aspecto da promiscuidade existente em certas residências coletivas. É ignorante, mal educado, sem preparo para o ofício que exerce – o de porteiro do edifício.


  9. A OBRA-PRIMA não tem estória. É o drama da frustração em que se debatem desfavorecidos, em todos os sentidos, dos bens materiais e espirituais. Não há na peça conflito ou conflitos. Existem, sim, episódios cômicos, dramáticos, líricos e trágicos.


TRECHOS:


  1. BERTINI

  2. Descansare, io? Má como descansare? ( A dar voltas ) Per favore. Per Dio! ( Suplica )  Dio mio! Mio capolavore! Que fazer? Io sono um artista, um lavoratore inteletuale. Io nasci in uno paese del arte. ( Com uma expressão de esplendor no rosto )  Itália! ( Depois de breve pausa ) “Itália mia, benchè il parlar sai indarno alle piagle mortali” ( OT ) La Comédia Del Arte há ensegnato tutto Europa a representare. Il teatro lírico com sui famosi cantanti há ensegnato tutto il mondo a cantare. A tutto il mondo há ensegnato la arte. Ricordo il divino Caruso. Enrico Caruso. La diva Galli Curci, il formidable Tito Ruffo, Gigli, Tito Schipa. Tito Schipa, que cantore sublime! Tantos outros: Spalzzi, Cortesi, Lelmi, Silvestroni, Trivero. Questi aram artisti valorosi. ( Desdém )  Oggi... oggi,  cantanti de micrófono in la mano a calcare le cene. ( Pausa ) E la voce? La voce que é buono... cadê la voce?  ...




  3. BERTINI

  4. Dio mio! Mais que l’amore, io amo opereta. Tante io ascoltato opereta que ricordo tutti: “ La Vedova Alegre”, “Oh! Marieta”, “Primavera”, “La Lucciola”,“Balalaika”, “ La Gran Valzer”, “Il Conte de Luxemburgo”, “La Principessa di los Dollares”, “La Principessa di Czardas”, “Paganini”, “Frasquita”, “La Casta Suzana”, “Sogno de Valzer”,  “La Casa di tre Bambini”,” Bayadera”,”L’Amore de Príncipe”,  “La Duchessa di Bal Tabarin”,  “La Ultima Valzer”... La romanza de mio capolavoro é assim. ( A Enrica e Bebeto )  Attenti. Escutare. Tutto de princípio.

  5. ( Sonoplastia. Começa a gesticular dentro dos compassos e da melodia da canção nº 7, do 3º Ato de “A Viúva Alegre”. Logo passa para o nº 4, canção de Fredy, do 1º Ato de “A Princesa dos Dólares”, opereta de M. Wilner e Fritz Gonbaum, música de Leo Fall ). ...




  6. ENRICA

  7. (Que acompanha Bertini nesse transporte evocativo e anda pela platéia ) Estamos nos meados do século dezenove. A opereta nasce tímida e pequenina em Paris. Parece uma criança travessa, brincalhona, galhofeira, gozadora. Quer rir de tudo e de todos. Salta e pula num deboche irrequieto. Lá está ela a nascer, no Théatre des Follies Nouvelles. Dali, parte para um triunfo  no Bouffes-Parisiens. Ah, a opereta! Uma combinação de poesia, música, dança e diálogo cheio de leveza, de graça, de ditos pitorescos e jocosos, sem outra pretensão além de buscar a hilaridade pelo ridículo e pela gozação. Ora o adultério, ora a corneação, são os amores clandestinos, as paixões amorosas arrebatadoras, incontroláveis, ardentes, os encontros furtivos, medrosos e assustados de amantes que não resistem às tentações dos impulsos instintivos e de pecados deliciosos. Porque reflete exatamente a sociedade aristocrática decadente, a sociedade que se desmorona a olhos vistos, ri dela no exterior, a burguesia plena de domínio econômico, apoiada na revolução industrial que se processa e vislumbra a passos largos. Espetáculo de ilogismos, de personagens incoerentes, diremos, enfim, com Gasch, ao falar do “music-hall”, que a opereta se acerca de todas as imagens ao seu alcance no status, no stablishment, e  tudo deforma, e tudo ilumina com luz estranha, e tudo transporta para o mundo da fantasia, para o mundo do irreal. É exatamente desse universo fantasioso e ilógico que desponta a verdade da opereta, a existência utópica de todos nós. ...



  8. (Dá-se, aqui, nova transmutação de personagens. Bebeto, que desce para a platéia, agora é Luigi Bertini e Enrica, Rosina Carabelli, os pais de Giuseppe Bertini. Enrica e Bebeto vão viver, em técnica cênica de flash-back, episódios da vida de Bertini, tomando a platéia como espaço cênico evocativo da aldeia, e os espectadores, como aldeões compatrícios)


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