ALDO CALVET

 

Gênero:

  1. Dramatização de I-JUCA-PIRAMA,

  2. Poema-heróico de Gonçalves Dias – 1950


Sinopse:

  1. GONÇALVES DIAS – UM INSTINTO DRAMÁTICO


  2. Podemos dizer que existia em Antônio Gonçalves Dias não somente o grande poeta lírico que se realizou plenamente ao escrever os “Cantos” diante dos primeiros dos quais Alexandre Herculano não hesitou em situá-lo entre os maiores de sua geração, mas também havia nele um instinto dramático latente que, apesar de “Patkul”, “Leonor de Mendonça”, “Beatriz Cenci” e “Boabdil”, não chegou à realidade absoluta apenas por ter sido o dramaturgo arrebatado à vida aos 41 anos de idade.

  3. Falando sobre “Leonor de Mendonça”, Ziembinski – um homem de teatro que conhece o seu ofício – afirmou que “o drama de Gonçalves Dias é uma prova inabalável do seu talento dramático”, reconhecendo nele, a seguir, plena “noção de funcionamento de um conflito teatral”. Descobre, depois, o “metteur-en-scène” a força do drama no diálogo, e isto salta aos olhos até mesmo nos seus poemas.

  4. Em I-Juca-Pirama a ação dramática está exatamente no diálogo que se estabelece entre Timbira e o Moço-Tupi, entre o Velho-Tupi e o filho, herói-prisioneiro, ao imprecar-lhe a maldição da Pátria, dos homens, da morte na guerra.

  5. Em todo o poema se encontra a estrutura teatral armada com efeitos emocionais por vezes épicos pelos grandes lances de heroísmo. Basta ler I-Juca-Pirama para perceber-se que o conflito cênico urdido aflora como uma simples conseqüência da própria trama dramática da luta maravilhosa que se trava entre competidores que só dentro da refrega se enobrecem e elevam.

  6. Teatro puro e do melhor quilate é o que existe e se pode extrair da poesia lírica, simples e popular de Gonçalves Dias.


PERSONAGENS:

  1. VELHO-ÍNDIO

  2. ÍNDIO-MENINO

  3. TIMBIRA

  4. MOÇO-TUPI

  5. VELHO-TUPI

  6. NARRADOR

  7. CORO

  8. FIGURANTES ( índios, índias etc.)


CENÁRIO:

  1. Ciclorama azul claro envolve todo o palco. Projeção de filmes ou slides de uma taba. Depois de criada a atmosfera cênica de clima e ambientação, deve ser focalizada em “close-up” uma maloca. Um refletor projeta, sentado num tronco, o Velho-Índio, que conta para o Índio-Menino, em mímica, uma estória qualquer. O Índio-Menino está sentado no chão, de pernas e braços cruzados. A iluminação sobre estas personagens entra em resistência e vai se apagando aos poucos. Durante esse tempo, o Coro, à E.B., recita.

SONOPLASTIA:

  1. Som de tambores e alaridos da indaiaida anunciam o término de uma guerra entre nações rivais.


TRECHOS:

  1. CORO – ( Em ação simultânea com Velho-Índio e Índio-Menino)

  2. “Assim o Timbira, coberto de glória,

  3. Guardava a memória

  4. Do moço guerreiro, do Velho-Tupi.

  5. E à noite, nas tabas, se alguém duvidava

  6. Do que ele contava,

  7. Tornava prudente: meninos, eu vi” ( Repete )


  8. NARRADOR – ( Só )  - É dia pleno de sol. Sol crepitante. Há uma brisa constante nas terras do Maranhão. O canto guerreiro se encandeia. Lá está sentado, ao chão, amarrado pelo colo com cordas de embira, os pés atados, um jovem esbelto e forte. É o Moço-Tupi, descendente dos tupis, cujas aptidões bélicas se tornaram famosas e conhecidas em todo o litoral, em virtude de sua expansão que precedeu a descoberta do Brasil. Os tupis habitavam as regiões dos rios Xingu e Tapajós. Eles partiram do Sul, por onde penetraram no Brasil. No sul, é verdade, permaneceram mais puros, ainda que de faculdade e cultura inferiores. Os colonizadores observaram que a corrente oriental dos tupis, seguindo pela costa do sul para o norte, se tornou mais importante e ativa devido, sobretudo, às sucessivas lutas para a expulsão dos ferozes tapuias. Pois este  Moço-Tupi é descendente em linha reta dos tupis beligerantes que baniram das costas brasileiras os tapuias – “gente barbarísisma” – como dizia Frei Fernão Guerreiro. A expectativa é enorme na taba dos timbiras. Cercado de outros de sua tribo se acha o cacique Timbira, garboso das vitórias, ornado de plumas de vários matizes. Esse Timbira é da raça de Itajubá – o valente, o destemido. É “esbelto como o tronco da palmeira, flexível como a frecha bem talhada”. Descende de Jaguar, e Jurucei, de Catucaba, o primeiro no combate; de Japi, o atirador; de Jucarana, de Poti, Mojaçá, Mopereba, de Jatir e de tantos e tantos outros de tantas lutas ou de tanto muramunhã. Todos pertencem ao concílio guerreiro. No terreiro, em frente das malocas, arde crepitante fogueira em torno da qual dançam e cantam os silvícolas que vão lançando em ritmo macabro novas achas de lenha às chamas fumegantes. Timbira se ergue entre os muitos heróis de sua nação. Move a cabeça em cuja “fronte o canitar sacode” e “o enduape na cinta se embalança”, “na destra mão sopesa a inverapeme”; ao colo um colar de marfim orna-lhe o peito. São insígnias de honra. Timbira caminha agora em direção ao índio prisioneiro, o Moço-Tupi.


  9. TIMBIRA – “ Que tens, guerreiro? Que temor te assalta

  10. No passo horrendo?

  11. Honra das tabas que nascer te viram,

  12. Folga morrendo.

  13. Folga morrendo; porque além dos Andes

  14. Revive o forte,

  15. Que soube ufano contrastar os medos

  16. Da fria morte.”


  17. MOÇO-TUPI –“ Eis-me aqui...

  18. Pois que fraco, e sem tribo, e sem família”


  19. TIMBIRA – “As nossas matas devassaste ousado,

  20. Morrerás morte vil da mão de um forte.

  21. Dize-nos tu quem és, teus feitos canta,

  22. Ou, se te apraz, defende-te.”


  23. MOÇO-TUPI – “ Meu canto de morte,

  24. Guerreiros, ouvi:

  25. Sou filho das selvas,

  26. Nas selvas cresci;

  27. Guerreiros, descendo

  28. Da tribo Tupi.


  29. Da tribo pujante

  30. Que agora errante

  31. Por fado inconstante,

  32. Guerreiros, nasci:

  33. Sou bravo, sou forte,

  34. Sou filho do Norte;

  35. Meu canto de morte,

  36. Guerreiros, ouvi.


  37. Já vi curas brigas,

  38. De tribos imigas,

  39. E as duras fadigas

  40. Da guerra provei;


  41. Andei longes terras

  42. Lidei cruas guerras

  43. Vaguei pelas serras

  44. Dos vis Aimorés;


  45. E os campos talados

  46. E os arcos quebrados,

  47. E os piagas, coitados,

  48. Já sem maracás;





  49. Aos golpes do imigo

  50. Meu último amigo,

  51. Sem lar, sem abrigo

  52. Caiu junto a mi!


  53. Meu pai a meu lado

  54. Já cego e quebrado,

  55. De pernas ralado,

  56. Firmava-se em mi.

  57. Nós ambos, mesquinhos,

  58. Por ínvios caminhos,

  59. Cobertos de espinhos

  60. Chegamos aqui!


  61. O velho, no entanto,

  62. Sofrendo já tanto

  63. De fome e quebranto,

  64. Só qu’ria morrer!

  65. Não mais me contenho,

  66. Nas matas me embrenho,

  67. Das frechas que tenho

  68. Me quero valer.


  69. Então, forasteiro,

  70. Caí prisioneiro

  71. De um trôço guerreiro

  72. Com que me encontrei;”


  73. TIMBIRA – ( Corta )  O pai a seu lado

  74. Já cego e quebrado

  75. De penas ralado...


  76. MOÇO-TUPI – “ Eu era seu guia

  77. Na noite sombria,

  78. A só alegria

  79. Que Deus lhe deixou!

  80. Em mim se apoiava,

  81. Em mim se firmava,

  82. Em mim descansava,

  83. Que filho lhe sou.




  84. E os campos talados

  85. E os arcos quebrados,

  86. E os piagas, coitados,

  87. Já sem maracás;


  88. Aos golpes do imigo

  89. Meu último amigo,

  90. Sem lar, sem abrigo

  91. Caiu junto a mi!


  92. Meu pai a meu lado,

  93. Já cego e quebrado,

  94. De penas ralado,

  95. Firmava-se em mi.

  96. Nós ambos, mesquinhos,

  97. Por ínvios caminhos,

  98. Cobertos de espinhos

  99. Chegamos aqui.


  100. O velho, no entanto,

  101. Sofrendo já tanto

  102. De fome e quebranto,

  103. Só qu’ria morrer!

  104. Não mais me contenho,

  105. Nas matas me embrenho,

  106. Das frechas que tenho

  107. Me quero valer.


  108. Então,forasteiro,

  109. Caí prisioneiro

  110. De um trôço guerreiro

  111. Com que me encontrei;” ...






  112. “NARRADOR – (Olhando distante ) Na direção do ocaso... E lá se vão os dois chapada a dentro... ( Depois de breve pausa):

  113. “Um velho timbira, coberto de glória,

  114. Guardava a memória

  115. Do moço guerreiro, do Velho-Tupi.

  116. E à noite nas tabas, se alguém duvidava

  117. Do que ele contava,

  118. Tornava prudente: meninos, eu vi!”

  119. ( O.T.) Mas depois de longa caminhada pela floresta agreste, eis o Moço-

  120. Tupi e o Velho-Tupi diante de Timbira e seu concílio guerreiro:


  121. VELHO-TUPI – “Por amor de um triste velho,

  122. Que ao termo fatal já chega,

  123. Vós, guerreiros, concedestes

  124. A vida a um prisioneiro.

  125. Ação tão nobre vos honra,

  126. Nem tão alta cortesia

  127. Vi eu jamais praticada

  128. Entre os Tupis...

  129. Eu, porém, nunca vencido,

  130. Nem nos combates por armas,

  131. Nem por nobreza nos atos;

  132. Aqui venho, e o filho trago.

  133. Vós o dizeis prisioneiro,

  134. Seja assim como dizeis;

  135. Mandai vir a lenha, o fogo,

  136. A maça do sacrifício

  137. E a mussurama ligeira;

  138. Em tudo o rito se cumpra:

  139. E quando eu for só na terra,

  140. Certo acharei entre os vossos,

  141. . . . . . . . . . ..

  142. Alguém que meus passos guie;

  143. . . . . . . . . . . . . .

  144. Tomando a vez de meu filho,

  145. De haver-me por pai se ufane.”


  146. TIMBIRA – ( Com os sobrolhos encrespando )

  147. “Nada farei do que dizes;

  148. É teu filho imbele e fraco!

  149. Aviltaria o triunfo

  150. Da mais guerreira das tribos

  151. Derramar seu ignóbil sangue;

  152. Ele chorou de cobarde;

  153. Nós outros, fortes Timbiras,

  154. Só de heróis fazemos pasto.” ...





  155. VELHO-TUPI –( Com a voz surda na garganta e com rancor de tigre, dirige-se ao Moço-Tupi )

  156. “Tu choraste em presença da morte?

  157. Na presença de estranhos choraste?

  158. Não descende o cobarde do forte;

  159. Pois choraste, meu filho não és!

  160. Possas tu, descendente maldito,

  161. De uma tribo de nobres guerreiros,

  162. Implorando cruéis forasteiros,

  163. Seres presa de vis Aimorés.

  164. Possas tu, isolado na terra,

  165. Sem arrimo e sem pátria vagando

  166. Rejeitado dos homens na paz,

  167. Sê maldito, e sozinho na terra;

  168. Pois que tanta vileza chegaste,

  169. Que em presença da morte choraste,

  170. Tu, cobarde, meu filho não és!”


  171. NARRADOR – E o Velho-Tupi, tateando, vai se embrenhar nas matas humilhado, desonrado, perdido. Mas logo pára e volta aturdido, atraído por gritos de combate e peleja. É o filho muito amado, o “derradeiro brasão da raça extinta”, o Moço-Tupi que, enfurecido, se debate contra toda a tribo dos Timbiras. O Velho-Tupi chora de comoção e alegria ao ouvir do cacique Timbira o brado de reconhecimento da bravura.


  172. TIMBIRA – ( Forte ) “Basta!

  173. Basta, guerreiro ilustre assás lutaste

  174. E para o sacrifício é mister forças.”


  175. VELHO-TUPI - (Que ampara nos braços o Moço-Tupi, cansado de lutar, diz com grande júbilo )

  176. “Este, sim, que é meu filho muito amado

  177. uCorram livres as lágrimas que choro,

  178. Estas lágrimas, sim, que não desonram.” ...






  179. MUTAÇÃO – (Estamos diante do Velho-Índio e do Índio-Menino, tal como nos demais quadros)


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