ALDO CALVET

 

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O ÚLTIMO GIGOLÔ

O Ultimo Gigolo

“O ULTIMO GIGOLO”, foi apresentada no festival de teatro de Curitiba – 24 e 25 de março de 2007 e no Teatro Bela, em São Paulo, em março de 2010 pela Cia. Mundo Afora. Atriz: Clau Fari, Direção: Alexandre Moreno

O Ultimo Gigolo

Gênero:                

  1. Monólogo

  2. 1 tempo cênico

Dedico:

  1. esta peça à minha filha Elsie


PERSONAGENS:

  1. CARMELA


CENÁRIO:

  1. A critério da direção e do cenógrafo


TIPOLOGIA

DA PERSONAGEM: 

  1. CARMELA é uma bela mulher de qualquer idade, inteligente, culta, atriz de grande público e grande talento para todos os gêneros, por isso mesmo admira os colegas de todas as modalidades teatrais e não faz distinção de classe e de cor. Possui uma mentalidade evoluída, quer sob o ponto de vista político, quer social. Descende de distinta e próspera família, tendo, por isso, talvez, recebido primorosa educação e pecúlio financeiro para viver com certa independência, dispondo, além do mais, de herança razoável proveniente de uma prematura viuvez. O ingresso no profissionalismo teatral foi por irrefreável autenticidade artística e pura vocação. Quando digo autenticidade artística quero esclarecer que dispõe também de qualidades para o canto e para a dança. Essas qualidades inatas foram aperfeiçoadas no palco com estudo, dedicação, observação, disciplina e sob os aplausos do público. É só.


OBSERVAÇÃO:  

  1. O título deste monólogo surgiu de uma notícia sobre o falecimento de Giovanni Rovai, em 29 de janeiro corrente ( 1990 ), segundo a qual ele foi o “último latin-lover italiano de exportação”.

  2. Mas nossa estória nada tem da vida festiva do famoso amante profissional. Tomamos por inspiração o conto de Lydia Campos – “Aquele Nobre”- publicado na revista “O Cruzeiro” há quase 60 anos.



TRECHOS:

  1. CARMELA  -  Eu andava inquieta, aturdida, excitada, algo estranha, reconhecia. Nunca estive assim. Nunca! Habituada a ser cortejada do porteiro do edifício ao político mais influente. Do simples balconista ao executivo, industrial ou empresário, banqueiro, poeta, compositor, maestro ou homem de letras, em todos lá percebia o olhar caviloso, desnudando todas as minhas curvas, todos plenos de desejos lúbricos, as pupilas incendiadas de luxúria, sonhando me levar para a cama, - fixação do macho diante da fêmea – me levar para o quarto, o santuário do amor, segundo Rousseau – o célebre filósofo francês das “Confissões”. Agora, eu confesso: nunca nenhum outro homem perturbou minha libido, minha serenidade feminina constante em algumas circunstâncias até temerosas, tímidas diante do expectar viril... Antes que tudo, a minha atração é o palco, ( gesticulando, rodopiando ) este infinito de tábuas pouco limpas e de luz resplandecente. É o canto, o som, os ritmos da dança, do encadeamento dos passos... A orgia da excitação, o gozo da espera, a satisfação repetida... O palco... A ribalta... As luzes... Os refletores das gambiarras... A claque espontânea ou profissional do famoso Mãozinha, aquele que sabia segredos aviltantes de tantas estrelas... Palmas... livres... longas... prolongadas... ensurdecedoras... apupadoras, de berros e gritos frenéticos, histéricos das platéias vencidas pela arte.     ( Outro tom ) Eu bem podia repetir aqui o que disse certa vez Edith Piaff, quando aconselhada a parar de se apresentar. Disse ela: “tenho imperiosa necessidade dos aplausos”. Por que? O palco é um espelho imenso. Ele satisfaz a minha vaidade. Reflete a minha ânsia de ser vista, aplaudida, vista e admirada, já se sabe. Talvez até necessite de um punhado de vaia. Quem sabe? “Vaidade, teu nome é mulher”. Grandes artistas foram vaiados por espectadores medíocres ou por espectadores inteligentes. Vingança da mediocridade ou desforra da sabedoria? Nelson Rodrigues, no início, órfão do reconhecimento do seu gênio, dizia que a vaia consagra. Enobrece. Estimula. Que a unanimidade é medíocre. Desestimulante. Esmaga o talento. O gênio. ( Outro tom ) Admito. Mas se a minha grande atração é a emoção ou a explosão da vaidade, confesso que não me afasto totalmente da existência cotidiana. Da existência do dia a dia, do ramerrão. Do vulgar. Sou mulher. Tenho a tentação do macho nas entranhas... ( Gesto ) Aqui! Desejo requintadas inquietações na cama ou fora da cama, onde quer que seja. Entendem? No silêncio da alcova – o quarto – aquele recanto discreto que Rousseau chamou um dia de santuário do amor, como já falei. O paroxismo do prazer me seduz sofregamente, porque eu sou fêmea, muito fêmea. ( Vai se desnudando ) Já viram? Quero ser do meu bem simplesmente a sua coisa, diante de uma profusão de carinhos e carícias, quero ter os olhos incendiados de luxúria. Sentir os seios túrgidos, vê-los empinados, sedentos de uma boca selvagem e lasciva a sugá-los incontidamente até o momento indefinido do orgasmo. Orgasmo clitoriano ou orgasmo vaginal. Os dois ao mesmo tempo. “O mal do corpo não corrompe a alma, nem o mal moral, nem o físico destroem a alma”. Quem fala é Platão. A lição é do filósofo grego. ( Outro tom ) A indiferença daquele macho já não era apenas inquietante. Era humilhante para minha vaidade feminina. Nem entrava em conta a famosa atriz. A questão em jogo era a “bela fêmea”, como dissera certa manhã um gari da Comlurb, ao me ver sair de casa. Não houve grilo. Não dei bola. Lembrei aquele que chamou Ava Gardner de “o mais belo animal do mundo”. ( Ri ) No íntimo, até gostei. Procurei retribuir a gentileza do gari serena e tranqüila com passos menos apressados, conforme a cadência provocante de meneios rítmicos das nádegas, tão gratificante para os homens devassos e tesudos, não é mesmo? A reflexão busca aqui e ali razões ou justificativas para a frieza do olhar daquele solitário cavalheiro que não repara em mim sequer a elegância, a insinuação de meus olhares travessos, os olhares petulantes e devassos, pois procuravam, sem qualquer discrição ou disfarces, antever sua intimidade peniana como se reles prostituta fosse em pleno “trottoir”de esquina. A exalação do meu “Pour um homme”que o olfato apurado de Caron lançou no mercado da perfumaria há mais de meio século, nem o agradável aroma atingia suas narinas dilatadas e distantes da bênção divina que é o ar. Aliás, ele parecia longe de tudo e de todos que escaparam dos destroços da coroa Romanov, do Império do Tzar de Todas as Rússias, habituado, talvez, a freqüentar o Palácio de Kchessinska, descendente, quem sabe, dos príncipes e não dos tzares ou imperadores. Diante dele eu procurava ser erótica, às vezes enigmática como a Mata-Hari. É verdade. Confesso. Estava curiosa em saber, em descobrir quem era aquele homem. Quantos anos? Trinta, no máximo. Legal. Moreno de tez. Boa altura. Um gato! Muito elegante no trajar. Tinha certa distinção no levantar, no sentar, uma postura e distinção de diplomata saído dos cursos do Instituto Rio Branco,ou, talvez,hábitos de linhagem de nobreza. Havia no seu olhar certa melancolia, como a refletir no brilho esverdeado grandeza de tempos idos, de antepassados cintilantes, na constelação cultural ou nobiliárquica, gente de uma pátria distante muito amada, vencida por um vendaval político-social, na base de intenções de nova era. Por que minha curiosidade? Claro. Esclareço. Quando fui apresentada àquele homem não mereci dele nada. Nem uma palavra galante. Nada além de breve gesto de cortesia próprio de pessoa civilizada. Amarguei bastante essa indiferença, uma espécie de desdém à mulher-estrela. Nenhum galanteio. Nenhum olhar perscrutador do gato para os encantos curvilíneos do meu corpo. Me penitencio. Afinal, eu me considerava não somente uma supervedete como até me julgava em talento e beleza uma Carolina Otero brasileira, a famosa Bela Otero rediviva, tão cortejada fora ela, do “music-hall” parisiense do começo do século, como sou eu na atualidade. A verdade é que com toda a soberbia, com aquele ar altivo em extremo, como figura do animal macho, era ele sublime, magnífico, esplêndido! Eis aqui um repeteco: vestia-se com distinção. Nenhuma superficialidade em matéria de adornos. Afora um Rolex de ouro, nada mais. Ali naquele bar, centro atual da badalação soçaite, todos se perdiam em afagos, abraços e beijinhos furtivos, às vezes beijos longos, demorados, escandalosos abusivamente ou extravagantemente como na TV, por desperdício de falsas manifestações  de carinho. Ele, porém, solitário, se alheiava talvez pela obsessão do seu copo de uísque ou convencido de sua individualidade superior naquele ambiente sinceramente mesclado de gente de todas as camadas sociais. Após a apresentação toda casual, dele me afastei, aplicando o mesmo estratagema da indiferença num misto de atração por alguém ou pela música. Permaneci sozinha por alguns instantes, quando senti, incontinenti, duas mãos seguras e ágeis tocarem por trás meus braços e logo minha cintura. Com algum espanto, de imediato me virei emocionada, com o coração aos saltos. Em minha frente, logo estava ele tal como certo conto reproduz: “altivo e pálido como um príncipe de legenda”. Segurou-me, agora, pelas mãos, penetrou os olhos verdes nos meus olhos estáticos. Em milésimo de segundo percebi o domínio do fascínio vencedor. Era como se fosse um nobre diante de uma humilde serva. Falou poucas palavras. Foi sucinto e dogmático, tipo supremacia machista islâmica: ( Inflexão algo viril ) mulher! És, como Egéria,  inspiração sexual. Quero teu corpo esta noite. ( Outro tom ) Tonteei, no momento. Na perturbação, sei que me assaltaram a mente recordações imprecisas de estudos sobre psicanálise ou psicologia... Leituras, talvez, de Havelock Ellis, ou Adler, ou Jung: ( Reflexão ) “é caindo no fundo da abjeção que a mulher assegura os mais deliciosos triunfos”. ( Volta ao normal ) Exato. Para minha vaidade feminina, para minha pretensão de irresistível, obedeci à intimação até com certo orgulho. Entre tantas mulheres bonitas, elegantes e atraentes, umas com as armas sutis da sedução – os exagerados decotes revelando feminilidade e desafiando a imaginação dos homens; outras, deixando à mostra boa parte do colo nu, ou com as pernas desnudas muito acima dos joelhos, buscando, assim, aguçar o erotismo, a fantasia, o devaneio sensual da vitalidade dos homens pelo triângulo... Outras, ainda, com os maridos a tiracolo, numa promessa suspeitosa de corneação. Menos por auto-afirmação, com a abordagem dele, a cantada violenta de sopetão, ao invés de ficar assustada, me julguei a preferida, pelo menos naquela noite, me julguei aquela “femme fatale”como me lisonjeava Michel Goulet com o seu francesismo às vezes irritante. Nesgas da coxa, transparências de pelos pubianos negros ou rúbios, tudo que possa ser provocante ou insinuante como elemento de excitação e sedução. Assim tem sido em todas as épocas nos mais requintados recintos da civilização, nos mais aristocráticos salões da sociedade universal. Não me canso de repetir que o belo desconhecido possuía sobre mim uma incrível sedução, a qual dificilmente tenho condições de explicar. Havia uma espécie de misteriosa atração. Não consigo ir além disto. Lembrei que a solidão é o pior inimigo da mulher. Alguém, sei lá, me disse isso certa vez quando, como agora, ando tão sozinha. ( Sentenciosa. Reflexão ) “As mulheres não devem ter nenhum preconceito para levar uma vida sexual agradável”. Eis aí um pensamento avançado, liberto, vigoroso, sobretudo no estado de emancipação da mulher. Eu necessitava de alguém que me levasse a almoços, jantares, a um restaurante badalado, para tomar um Bordeaux; ir a uma boate, a um cinema nos dias de folga no teatro; alguém que dançasse comigo, não um distante do outro, mas agarradinho romanticamente; que me esquentasse nas noites frias de inverno, que me apertasse, me amarfanhasse, ou me admirasse despida andando nua pela alcova nos dias de calor do verão, a me fitar num patetismo carnal cheio de lúbricos desejos. ( Outro tom ) Me assaltou, num repente, a definição daquele cínico cabeleireiro que achava que a mulher devia ter sempre três homens: um para o chique – madame fulana; um para o choque -  – sacanagens e orgasmos; um para o cheque – pagar as contas. Um inteligente analfabeto que ouvia o cínico cabeleireiro falou: engraçado, tudo com x...”



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