ALDO CALVET

 

  1. 1982

Gênero:                

  1. MONÓLOGO CÔMICO


PERSONAGEM:

  1. PASQUINEIRO


CENÁRIO:

  1. Uma rotunda com títulos de jornais e revistas exóticos como “Palmatória”, “ Peroba” , “ Fuk-Fuk” etc., uns de cabeça para baixo, outros atravessados, a gosto da imaginação do encenador.


TRECHOS:

  1. “PASQUINEIRO –


  2. 1.  Na Galeria Condor, Largo do Machado, o professor Fernando Fernandes acaba de dar um curso de “Educação para não violência”. Como presidente da Sociedade Protetora dos Assaltantes, com algumas dicas de Marcos Gomes, vamos iniciar, hoje, nosso cursilho de antiviolência: se você for assaltado, entregue tudo que tiver e peça desculpas ao assaltante por não ter mais para entregar; não seja babaca, não reaja nunca; nada de violência, senão você se fode todo; mire-se no exemplo de Gandhi; violência gera violência; não use arma; você pode matar o assaltante, um pobre desajustado social; pense sobre os problemas com a Justiça; para provar legítima defesa é uma merda! Prefira sempre ser roubado ou morto; se morto, o problema com a Santa Casa da Misericórdia, dona dos cemitérios, não é seu. Agora, com a PM: Seu guarda, se o senhor for obrigado a prender um assaltante, segure o marginal delicadamente; peça desculpa por ter que cumprir a lei; nunca ponha no ladrão algemas; algemas dão um complexo de escravidão filho-da-puta; um assaltante não é um escravo; é um cidadão livre desempregado; não dê empurrões no assaltante; convide-o a entrar no camburão com delicadeza; dê ao assaltante um refresco de maracujá, um calmante; ele deve estar nervoso, agitado.

  3. Com o Secretário de Segurança: mande pôr ar condicionado nos camburões, televisão a cor, rádio e acompanhante – uma gatinha de Ipanema para uma guerra do sexo. Com o Delegado: Sr. Delegado, mande servir um lanche bem reforçado, almoço ou jantar, conforme a hora, ao assaltante; sirva também um scotch legítimo, vinho francês, sobremesa fina, cafezinho quente, vodka, cerveja, refrigerante, o que ele preferir, sempre sirva o melhor; indique o telefone, o assaltante sempre precisa se comunicar com a gente de sua quadrilha, seu advogado; doutor Delegado, não maltrate o assaltante nunca! O Cardeal não gosta. É contra os direitos humanos. De acordo com a opinião de alguns advogados, alguns juristas, assistentes sociais e prelados – que talvez nunca estiveram frente a frente com um assaltante pronto para roubar e matar; que talvez nunca perderam pai, mãe, mulher, filho, irmão, um ente querido, com uma facada, um tiro, no trabalho, na rua, no volante do carro, as normas que acabo de ensinar hão de ajudar muito no caminho do cemitério para todo o sempre. Amém.


  4. 2.  Vim para o Rio, no tempo ainda que se pegava um Ita no Norte. No jantar a bordo, comecei um flerte com uma dona boa, como se dizia na época. O navio vencia milhas e milhas e a gente só na paquera... A sacanagem foi crescendo, crescendo, aquela coisa danada um pelo outro acabou no camarote dela numa trepada sensacional. Aí, conversa vai, conversa vem, descobrimos que estava ali nos meus braços a mulher do meu melhor amigo de juventude; casara e eu nem sabia. Foi um choque dos diabos. Caímos os dois num pranto convulsivo, sabe? Chorava ela pra lá, e eu pra cá.

  5. De Belém ao Rio, viemos chorando e trepando, chorando e trepando.

  6. 3.  Socorro! Socorro! Grito no condomínio da Barra atrai vizinhos de todos os lados. Telefone tilinta. Disca telefone. Corpo de Bombeiro?  Patrulhinha? PM? Olhares desconfiados, daqui, dali. Grupos de pessoas curiosas. Depois desta confusão toda, aparece na janela uma coroa meio assustada:

  7. - Não! Não, gente. Obrigada. Não é assalto, não. Estou chamando minha vizinha, a Socorro.

  8. 4.  Eleição! Povo todo feliz! Em Mandaquari, no Paraná, matam o Deputado Heitor de Alencar Furtado; na Paraíba, num comício, um tiroteio – um morto; acidente com caminhão do PDS, no Piauí, mata nove; comício no Maranhão, matam três; na Bahia, cabos eleitorais discutem, matam dois; o candidato à Prefeitura de Glória do Goiatá, em Pernambuco, leva cinco tiros, só cinco; em Iguape, São Paulo, matam dois cabos eleitorais; o Vice-Prefeito de Itororó, na Bahia, é morto; candidato em Goiás é assassinado; Em Nilópolis, Rio de Janeiro, discussão política, candidato a Vereador mata bancário; festança beberativa do PDS, em Alagoas, matam dois; em Minas, Ribeirão Preto, porrada, pancadaria, facada, tiro, morte, morte.

  9. Eleição! O Tribunal Eleitoral diz que não há nada, tudo bem, tudo bem,na mais perfeita ordem.

  10. 5.  O sujeito fazia seu cooper na calçada da Vieira Souto. Vestia uma camiseta do PDT, um boné do PDS, um short do PMDB e uma fita no pescoço do PTB. O povo todo olhava. A indumentária ganhou nome: voto nulo.

  11. 6.   A Central Única dos Trabalhadores procura nomes para renovação da comissão que vai se reunir em Brasília e discutir a realização do Congresso dos Trabalhadores. Tudo bem. A sigla é que não pega bem. Vejam só: Comissão Pro-Cut.

  12. 7.  Anúncio algo maroto é publicado convocando os engenheiros formados há 20 anos, lembrança de formatura. Título: Filhos da PUC.

  13. 8.  Esta é do professor Batista da Costa que, segundo afirmam, é um expert em epitáfios. Num cemitério da cidade, ele recolheu o seguinte epitáfio: “ Aqui jaz Joaquim da Silveira Thomaz, que viveu e morreu na paz”. A seguir, escreveram: “Agüenta Thomaz, que aquele que vai não volta mais ( gesto )  e toma atrás.”

  14. 9.  O General João Figueiredo, no exercício da Presidência da República, afirma e reafirma, louve-se, que “há de fazer deste País uma democracia”. Só depois da vitória do Sr. Leonel Brizola, no Rio, descobrimos que o único que é contra é o General Euclydes Figueiredo ao declarar, em ato de indisciplina, que “ a eleição de Leonel Brizola é um sapo que a gente engole, digere e, na hora certa, expele.” Leia-se: caga. Vê-se que a questão de ser ou não ser uma democracia está no reino da família... Por essas e outras é que  ( Cantarola ) “não rias de mim, Argentina”...

  15. 10. O DASP, o Itamaraty, O Departamento de Polícia Federal, o Poder Legislativo – Câmara dos Deputados e Senado; o Poder Judiciário; todos os servidores dos órgãos citados ativos e inativos tiveram ingresso no Plano de Classificação de Cargos em 1970. Os demais servidores, só a partir de 1974.

  16. Todos são iguais perante a lei: a mulher se aposenta aos 30 anos de serviço; o homem, aos 35; a contagem recíproca só é aplicada no plano federal, nos estados e municípios, não. Todos são iguais perante a lei: O militar pode dirigir qualquer departamento na área civil; o civil não pode dirigir nem uma patrulha na área militar. Todos são iguais perante a lei: Lei estadual dispensa multas de motoristas profissionais; de amadores, não. O militar pode andar à paisana; o civil não pode andar fardado; a viúva de militar tem pensão vitalícia, mesmo casando de novo; a viúva de trabalhador civil, não. O trabalhador tem férias de 20 dias, o funcionário público, de 30 dias. Só no papel, porque na contagem são incluídos os sábados e domingos que não são dias úteis. O trabalhador tem 13º salário e aumento de 6 em 6 meses; o funcionário público não tem; o servidor público tem licença prêmio, o trabalhador não tem. Todos são iguais perante a lei: Os ministros e conselheiros dos tribunais de contas têm aposentadoria compulsória aos 60 anos; os demais funcionários, só aos 70 anos. Todos são iguais perante a lei.

  17. Ah, De Gaulle, De Gaulle, como me lembro de você.”

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