ALDO CALVET

 

Gênero:                

  1. Drama romântico – Ato único

  2. Adaptação livre sobre “ Fim de Penitência”de Marcelino Mesquita



PERSONAGENS:

  1. GISELA -  mãe

  2. CARMELA   -  filha

  3. CONRADO  -   o noivo

  4. JÚLIA  -   criada


CENÁRIO:

  1. Sala de residência de família abastada.


TRECHOS:

  1. ÉPOCA:   1928


  2. AÇÃO:   São Luis do Maranhão


  3. “GISELA  -  Carmela, se tu soubesses, minha filha, com que orgulho te vejo e te ouço falar... O meu desvanecimento é enorme, pois é assim que sempre sonhei que fosses. Sempre quis que conhecesses o mundo e a vida...


  4. CARMELA  -  ( Corta )  Sem percorrer o mundo e sem experimentar a vida?


  5. GISELA  -  O maior de todos os perigos para uma menina é a ignorância do  mundo e da vida. Sobre essa ciência só existem uns lábios que podem dizer aos ouvidos de uma filha –  os lábios de sua mãe. Somente os lábios da mãe podem despertar a alma sem corromper a alma. Entendeste?


  6. CARMELA  -  Hunhum, hunhum. Escuto.


  7. GISELA  -  As palavras da mãe fazem adivinhar o conteúdo sem revelar o sentido...


  8. CARMELA  -  ( Corta )  Lembro desta frase – “ o seu amor santifica a lição”. Tantas vezes me disseste que decorei.


  9. GISELA   -  Minha Carmela, a vida é como a medicina – se aprende nos outros.        A vida é curta demais para se aprender na própria pele. Quando a gente chega a saber alguma coisa já se está à beira do túmulo.


  10. CARMELA  -  Só eu sei o quanto te devo. Viveste vinte anos como reclusa, longe de tudo, existindo para mim, só para mim. Tua vida era minha vida. Só uma santa é capaz de tamanho sacrifício.   ( Beijando Gisela )   Eu te adoro.

  11. Eu te amo.


  12. GISELA  -  A adoração e o afeto são recíprocos.


  13. CARMELA  -  Já te perdoei por tudo. Mas é preciso dizer-te meu pequenino despeito...


  14. GISELA  -  ( Corta com certa apreensão )   De mim?  Despeito?!


  15. CARMELA  -  Se tu, querida, me conhecias tão bem, e conheces mesmo, por que não me confiaste há mais tempo teu segredo?


  16. GISELA  -  Covardia. Te juro. Covardia. Tentei algumas vezes mas recuava. Que estranho. Conhecendo-te, como te conheço, sabendo-te tão leal, tão generosa, com tudo isso, tinha medo...” ...





  17. CONRADO  -  Ela bem que poderia ter se casado novamente.  ( Bebe o café )


  18. CARMELA  -  ( Abstrata )  Sim... podia.  ( Pensativa )  Mocidade... beleza... fortuna...


  19. CONRADO  -  ( Depois de longa pausa e de observar Carmela pensativa ) Carmela, tu estás bem? Estou te estranhando.


  20. CARMELA  -  Estou bem... Não tenho nada...  ( Outro tom )  Tive, hoje, uma notícia desagradável.


  21. CONRADO  -  Não para ti nem para tua mãe, quero crer.


  22. CARMELA  -  Para mim e para ela.


  23. CONRADO  -  ( Apreensivo )   Que?!


  24. CARMELA  -  Tenho uma amiga, que conheces, a Zuleide.


  25. CONRADO  -  Sim. Fomos apresentados.


  26. CARMELA  -  Era no colégio a mais bela da turma. Inteligente, comunicativa, adorável.


  27. CONRADO  -  ( Apreensão ) Não me digas que...


  28. CARMELA  -  ( Corta )  Teve um grande desgosto. Recebi, hoje, uma carta de Zuleide. Ela reside atualmente em Teresina. A leitura da carta me deixou um mal estar. A vida é tão triste...


  29. CONRADO  -  Mas... Carmela... estás me deixando apreensivo.


  30. CARMELA  -   Zuleide não merecia a desilusão que sofreu.


  31. CONRADO  -  Coisas do coração, é...


  32. CARMELA  -  ( Corta )  Da nossa turma do Rosa Castro,   Zuleide era a menos rica. O rapaz com quem ela ia casar, além de belo, tem uma grande fortuna.


  33. CONRADO  -  Ia casar... Não vai mais casar?


  34. CARMELA  -  Não.


  35. CONRADO  -  O motivo deve ser grave...


  36. CARMELA  -  ( Corta )   Nada. Fútil. Zuleide não era filha legítima. A mãe da Zuleide não pôde ou não quis legitimar o que chamam de união legal.


  37. CONRADO  -  Bem... se não era casada, era união ilegal.


  38. CARMELA  -  Pois bem, quando o futuro marido de Zuleide soube, desfez o casamento.


  39. CONRADO  -  Fez bem. Muito bem.


  40. CARMELA  -  Conrado, Zuleide é uma moça honesta, altiva. Quando a mãe dela deu o passo, Zuleide nem era nascida.


  41. CONRADO  -  De qualquer modo, um rapaz da sociedade não pode ligar seu nome ao de uma moça que não tem nome, que tem, que usar o nome da mãe solteira perante o juiz, diante do altar.


  42. CARMELA  -  Explica onde está a responsabilidade daz questão.


  43. CONRADO  -  Na moral.


  44. CARMELA  -  Mortal de quem?


  45. CONRADO  -  De todos. Vulgar.


  46. CARMELA  -  Vulgar. Concordo – a de toda a gente, a do vulgo. Que não é a tua, creio; nem a nossa, estou certa. É a dos néscios.


  47. CONRADO  -  ( Entra na fala )   Néscios?” ...






  48. “CONRADO  -  ( Conselheiral )   Carmela, não podemos viver fora da sociedade.


  49. CARMELA  -  Acho que podemos viver entre os homens e não com a moral deles.


  50. CONRADO  -  ( Desdenhoso )   Que filosofia é essa...


  51. CARMELA  -  ( Corta )   É a dos simples e a dos sábios. Viver entre os homens e não viver com os homens, é não assimilar o raciocínio deles. Ficar distante do raciocínio deles, entendes?


  52. CONRADO  -  A verdade, minha querida, é que não podemos livrar do nosso nome uma situação amoral.  Queremos que a mulher que passe a usar nosso nome tenha nome de família e seja respeitada e não fique aí sujeita a comentários suspeitos sobre filiação duvidosa.


  53. CARMELA  -  De algum modo tens razão. Agora não vejo como o futuro marido de Zuleide perderia a reputação de seu nome desde que Zuleide se mantivesse honesta.


  54. CONRADO  -  Mas a mãe de Zuleide, como tu mesma disseste, prevaricou...


  55. CARMELA  -  ( Corta )   Generosa ilação.

  56. CONRADO  -  É a condição irretorquível da sociedade.


  57. CARMELA  -  ( Arrogante )   Oh, é a imbecilidade de uma comunidade rica e dominante.


  58. CONRADO  -  Carmela, tu contestas tudo. A amizade de Zuleide chega a perturbar teu raciocínio. Compreendo. Ela tem razão em sofrer. Tu também sofres por causa dela. Agora, tudo isso não me força a mudar de opinião...


  59. CARMELA  -  ( Corta )   Tua opinião é que...


  60. CONRADO  -  Que o noivo de Zuleide fez o que tinha que fazer.


  61. CARMELA  -  Acreditas mesmo?!


  62. CONRADO  -  Não tinha outra atitude.


  63. CARMELA  -  Então, Conrado, só porque a mãe de Zuleide deu um passo errado, digamos assim, passou a levar uma vida de sacrifício, de total rec lusão, de um amor dedicado, que sei que assim foi, não basta para libertar a filha dessa falta que não lhe pertence?


  64. CONRADEO  -  ( Peremptório )   É pouco. Muito pouco. Não basta.


  65. CARMELA  -  Quer dizer que a sociedade não absolve a mãe e condena a filha?


  66. CONRADO  -  Exato. Por uns pagam os outros.”