ALDO CALVET
ALDO CALVET
Gênero:
Drama romântico – Ato único
Adaptação livre sobre “ Fim de Penitência”de Marcelino Mesquita
PERSONAGENS:
GISELA - mãe
CARMELA - filha
CONRADO - o noivo
JÚLIA - criada
CENÁRIO:
Sala de residência de família abastada.
TRECHOS:
ÉPOCA: 1928
AÇÃO: São Luis do Maranhão
“GISELA - Carmela, se tu soubesses, minha filha, com que orgulho te vejo e te ouço falar... O meu desvanecimento é enorme, pois é assim que sempre sonhei que fosses. Sempre quis que conhecesses o mundo e a vida...
CARMELA - ( Corta ) Sem percorrer o mundo e sem experimentar a vida?
GISELA - O maior de todos os perigos para uma menina é a ignorância do mundo e da vida. Sobre essa ciência só existem uns lábios que podem dizer aos ouvidos de uma filha – os lábios de sua mãe. Somente os lábios da mãe podem despertar a alma sem corromper a alma. Entendeste?
CARMELA - Hunhum, hunhum. Escuto.
GISELA - As palavras da mãe fazem adivinhar o conteúdo sem revelar o sentido...
CARMELA - ( Corta ) Lembro desta frase – “ o seu amor santifica a lição”. Tantas vezes me disseste que decorei.
GISELA - Minha Carmela, a vida é como a medicina – se aprende nos outros. A vida é curta demais para se aprender na própria pele. Quando a gente chega a saber alguma coisa já se está à beira do túmulo.
CARMELA - Só eu sei o quanto te devo. Viveste vinte anos como reclusa, longe de tudo, existindo para mim, só para mim. Tua vida era minha vida. Só uma santa é capaz de tamanho sacrifício. ( Beijando Gisela ) Eu te adoro.
Eu te amo.
GISELA - A adoração e o afeto são recíprocos.
CARMELA - Já te perdoei por tudo. Mas é preciso dizer-te meu pequenino despeito...
GISELA - ( Corta com certa apreensão ) De mim? Despeito?!
CARMELA - Se tu, querida, me conhecias tão bem, e conheces mesmo, por que não me confiaste há mais tempo teu segredo?
GISELA - Covardia. Te juro. Covardia. Tentei algumas vezes mas recuava. Que estranho. Conhecendo-te, como te conheço, sabendo-te tão leal, tão generosa, com tudo isso, tinha medo...” ...
“
CONRADO - Ela bem que poderia ter se casado novamente. ( Bebe o café )
CARMELA - ( Abstrata ) Sim... podia. ( Pensativa ) Mocidade... beleza... fortuna...
CONRADO - ( Depois de longa pausa e de observar Carmela pensativa ) Carmela, tu estás bem? Estou te estranhando.
CARMELA - Estou bem... Não tenho nada... ( Outro tom ) Tive, hoje, uma notícia desagradável.
CONRADO - Não para ti nem para tua mãe, quero crer.
CARMELA - Para mim e para ela.
CONRADO - ( Apreensivo ) Que?!
CARMELA - Tenho uma amiga, que conheces, a Zuleide.
CONRADO - Sim. Fomos apresentados.
CARMELA - Era no colégio a mais bela da turma. Inteligente, comunicativa, adorável.
CONRADO - ( Apreensão ) Não me digas que...
CARMELA - ( Corta ) Teve um grande desgosto. Recebi, hoje, uma carta de Zuleide. Ela reside atualmente em Teresina. A leitura da carta me deixou um mal estar. A vida é tão triste...
CONRADO - Mas... Carmela... estás me deixando apreensivo.
CARMELA - Zuleide não merecia a desilusão que sofreu.
CONRADO - Coisas do coração, é...
CARMELA - ( Corta ) Da nossa turma do Rosa Castro, Zuleide era a menos rica. O rapaz com quem ela ia casar, além de belo, tem uma grande fortuna.
CONRADO - Ia casar... Não vai mais casar?
CARMELA - Não.
CONRADO - O motivo deve ser grave...
CARMELA - ( Corta ) Nada. Fútil. Zuleide não era filha legítima. A mãe da Zuleide não pôde ou não quis legitimar o que chamam de união legal.
CONRADO - Bem... se não era casada, era união ilegal.
CARMELA - Pois bem, quando o futuro marido de Zuleide soube, desfez o casamento.
CONRADO - Fez bem. Muito bem.
CARMELA - Conrado, Zuleide é uma moça honesta, altiva. Quando a mãe dela deu o passo, Zuleide nem era nascida.
CONRADO - De qualquer modo, um rapaz da sociedade não pode ligar seu nome ao de uma moça que não tem nome, que tem, que usar o nome da mãe solteira perante o juiz, diante do altar.
CARMELA - Explica onde está a responsabilidade daz questão.
CONRADO - Na moral.
CARMELA - Mortal de quem?
CONRADO - De todos. Vulgar.
CARMELA - Vulgar. Concordo – a de toda a gente, a do vulgo. Que não é a tua, creio; nem a nossa, estou certa. É a dos néscios.
CONRADO - ( Entra na fala ) Néscios?” ...
“CONRADO - ( Conselheiral ) Carmela, não podemos viver fora da sociedade.
CARMELA - Acho que podemos viver entre os homens e não com a moral deles.
CONRADO - ( Desdenhoso ) Que filosofia é essa...
CARMELA - ( Corta ) É a dos simples e a dos sábios. Viver entre os homens e não viver com os homens, é não assimilar o raciocínio deles. Ficar distante do raciocínio deles, entendes?
CONRADO - A verdade, minha querida, é que não podemos livrar do nosso nome uma situação amoral. Queremos que a mulher que passe a usar nosso nome tenha nome de família e seja respeitada e não fique aí sujeita a comentários suspeitos sobre filiação duvidosa.
CARMELA - De algum modo tens razão. Agora não vejo como o futuro marido de Zuleide perderia a reputação de seu nome desde que Zuleide se mantivesse honesta.
CONRADO - Mas a mãe de Zuleide, como tu mesma disseste, prevaricou...
CARMELA - ( Corta ) Generosa ilação.
CONRADO - É a condição irretorquível da sociedade.
CARMELA - ( Arrogante ) Oh, é a imbecilidade de uma comunidade rica e dominante.
CONRADO - Carmela, tu contestas tudo. A amizade de Zuleide chega a perturbar teu raciocínio. Compreendo. Ela tem razão em sofrer. Tu também sofres por causa dela. Agora, tudo isso não me força a mudar de opinião...
CARMELA - ( Corta ) Tua opinião é que...
CONRADO - Que o noivo de Zuleide fez o que tinha que fazer.
CARMELA - Acreditas mesmo?!
CONRADO - Não tinha outra atitude.
CARMELA - Então, Conrado, só porque a mãe de Zuleide deu um passo errado, digamos assim, passou a levar uma vida de sacrifício, de total rec lusão, de um amor dedicado, que sei que assim foi, não basta para libertar a filha dessa falta que não lhe pertence?
CONRADEO - ( Peremptório ) É pouco. Muito pouco. Não basta.
CARMELA - Quer dizer que a sociedade não absolve a mãe e condena a filha?
CONRADO - Exato. Por uns pagam os outros.”
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