ALDO CALVET

 


BIOGRAFIA : DRAMATURGIA INDEX : DRAMATURGIA

UM CERTO JULGAMENTO GREGO

  1. 1953

Gênero:

  1. mini comédia – ato único -  Tempo cênico único



PERSONAGENS:

  1. FRINÉIA -  Cortesã de Atenas

  2. HIPÉRIDES -  Defensor

  3. ÊUTIAS -  Acusador

  4. MILCÍADES -  General Ateniense

  5. ESCRIBA -  Notário

  6. MIRJA -  Cortesã da Beócia

  7. XENÓCRATES - Velho filósofo

  8. CÔRO


CENÁRIO:

  1. Uma reconstituição da Helaia, o tribunal popular ateniense que se reunia em público com centenas de juízes. O grupo numeroso de jurados, como é sabido, se compunha de cidadãos de mais de trinta anos, geralmente de cultura mediana.



TRECHOS:           

  1. HIPÉRIDES  -   Tanto é verdade que queres tirar vingança com esta denúncia. Senhor General-Presidente, este processo deve ser arquivado. Não existe nele culpa provada. Frinéia é o próprio triunfo da beleza.  Jurados!  É preciso reformular a mentalidade dominante nesta nossa velha Grécia.  Atentai para este absurdo: procuramos sempre condenar o belo e inocentar os que se deixam vencer  pelo ódio ao belo.  Ódio tão violento como o famoso ódio de Atreu.


  2. ÊUTIAS  -   ( Descritivo )    Batalha inglória da sexualidade e da impotência. (Outro tom )    Frio e inabalável, estático e sem ação diante de Frinéia estuante de sensualismo, acesa como uma tocha crepitante, pelada, peladinha da cabeça aos pés...


  3. MILCÍADES  -   Ceres, Proteu, Métis, Prometeu, Tosão, Teseu, Tideu, ah, isso foi suruba.   ( Outo tom )    Heliastas!  Estamos diante de um novo processo, dadas as conotações neste julgamento. 


  4. Como se vê pela sua composição, é apenas uma paródia sobre o julgamento de Frinéia. Paródia, como sabemos, é uma imitação cômica, burlesca, comédia satírica em que se procura ridicularizar uma obra literária, um fato histórico ou um acontecimento às vezes até dramático ou trágico. Concluímos que a peça  é um arremedo que, com a liberdade de criação ou somente de imitação da realidade, buscamos na mitologia greco-romana os elementos substanciais da comicidade por meio do duplo sentido, conforme veremos no exame das personagens.



  5. PHRYNÉ = FRINÉIA -  era uma cortesã grega nascida em Téspias, uma cidadezinha da Beócia, no Séc. IV A.C.. Foi vendedora de alcaparras – gênero de caparídeas empregada como condimento – depois, tocadora de flauta. Tendo ido muito jovem para Atenas, lá tornou-se logo uma das hetaíras – considerada, na Grécia daqueles tempos, mulher dissoluta, prostituta de luxo – ela ficou sendo uma das mais famosas e atraentes.  Fez-se amante de Praxíteles – célebre escultor na época – que esculpiu várias estátuas de Vênus, tendo Frinéia como seu modelo. O apelido dado pelos atenienses a Frinéia era “O Crivo”, segundo diziam, porque ela tinha grande habilidade em passar pelo “crivo” as maiores fortunas. Crivo é, como se diz hoje, tomar o dinheiro dos otários. Há sobre Frinéia uma lenda segundo a qual, depois da destruição de Tebas por Alexandre, ela se ofereceu para reedificar a cidade por sua conta, sob a condição de ser colocada na porta principal ( Tebas das Cem Portas ) esta inscrição: “Alexandre destruiu-a, Frinéia reedificou-a”. Os tebanos não aceitaram a imposição. Conta Quintiliano – reitor latino do Séc. I, que Frinéia foi acusada de impiedade e defendida perante o tribunal dos heliastas por Hipérides, orador contemporâneo de Demóstenes.

  6. Frinéia estava para ser condenada, quando Hipérides imaginou tirar-lhe o manto, mostrando-a nua em verdadeira estátua de carne diante dos heliastas. A beleza de Frinéia desarmou os juízes. Certa vez, entendeu ela fazer sucumbir a virtude do austero filósofo Xenócrates, discípulo de Platão, cujas doutrinas ( dele ) se esforçavam para conciliar com o pitagorismo ( de Pitágoras ), princípios de elevada moral dos pitagóricos – Frinéia confiava em sua fascinante beleza - por isso apostou em seduzir o sábio da Chalcedônia. Não teve êxito. Recusou  pagar a aposta, declarando que tinha apostado seduzir um homem e não uma estátua.


  7. ELIASTAS  -  eram os componentes do Helies – tribunal popular de Atenas que se reunia numa praça do Agora  - ou Agorá -  onde eram feitos mercados nas antigas cidades gregas.

  8. PERSEU  -  último Rei da Macedônia, filho de Felipe V.


  9. METÊLO CÉLERE  -  é nome de uma família do magistério da Roma antiga. Foi usado apenas para criar duplo sentido malicioso -  meter célere, rapidinho.


  10. ERETOS VARÕES  ou VARÕES ERECTOS  -  duplo sentido de pênis .


  11. EPIMETEU  -  irmão de Prometeu. Ele desposou Pandora e teve a leviandade de abrir a  boceta - caixa redonda ou oval, ou oblonga ( Boceta de Pandora ) – origem de todos os males que se espalharam pela terra; só ficou a Esperança no fundo da boceta. É também jogo de malícia, nada mais.


  12. CLOTO  -  a mais nova das três Parcas ( três divindades dos infernos, senhoras da vida dos homens ). A palavra foi usada para efeito de duplicidade com a palavra coito – relação sexual, acasalamento, cópula.


  13. PROTEU  -  deus marinho que recebeu de seu pai, Netuno, o dom da profecia, pois mudava de forma. Tomamos o nome do deus para criar maldosamente uma intenção ou suspeita de homossexualismo. É só.


  14. TIDEU  -  filho de Ceneo, Rei de Cálidon, e de Euribéia; foi banido da pátria por haver assassinado seu irmão Melânipo. A história é longa. Usamos o nome porque estabelece confusão com o pronome pessoal oblíquo da 2ª pessoa do singular e o verbo dar, na 3ª pessoa do pretérito perfeito do Indicativo Presente – dei, deste, deu .


  15. BUCETUM  -  s.f. lat. Buxetum, de buxis – pequena caixa cilíndrica; é a origem etimológica da palavra vulgar boceta, vulva da mulher; esse latinismo é pura esnobação.


  16. MIRJA  -  nome inventado para parecer mija.


  17. ATREU  -  filho mais velho de Pelops e de Hipodâmia, sucedeu a Euristeu, Rei de Argos, com cuja filha – Érope, casara. Vingou-se do irmão que corrompeu sua esposa, dando-lhe para comer num banquete os próprios filhos, filhos do irmão Tiestes, todos fritos em pedacinhos. Serve apenas como rima.


  18. CADÊ TOSÃO? CADÊ TESEU?  -  mero double-sens -  cadê tesão. Hoje se pode dizer no teatro e até nos salões. Nos tempos passados, a Censura não permitia.


  19. MÉTIS  -  não existe na mitologia greco-romana nenhuma deusa com esse nome; foi ele criado por inspiração do nome do geômetro holandês Adriano Métius, só para dar um sentido algo malicioso.


  20. PROMETEU  -  Gênio do fogo, filho de Titan Japeto e irmão de Atlas. Aparece na mitologia como iniciador da primeira civilização humana. A palavra serve bem para o espírito erótico da peça ou da cena da peça.


  21. MILCÍADES  -  general ateniense, vencedor dos persas em Maratona ( 490 A.C.). Temístocles falando sobre Milcíades disse o seguinte: “ Os  loiros de Milcíades não me deixam dormir”. Milcíades combateu contra os persas

  22. ( médos ou médas ) na Trácia, auxiliado por mil soldados da pequena cidade da Beócia de Platéia; atacara os medas em formação cerrada. Os gregos consideram os persas como médos – ou guerras médicas – guerras greco-pérsicas. Em médos e medas , apliquei a figura gramatical do lambdacismo que é a troca de uma letra por outra. Ao invés de Medos, preferi Medas, até porque melhor refletia o espírito da coisa, pois Milcíades tinha repugnância pelos seus adversários e a palavra servia bem para o final em que se põe em confronto a beleza e a incitação bélica.

  23. Conotação: aplica-se aí a teoria do distanciamento de Bertolt Brecht, não no sentido do ator sair do seu personagem para comentat a sua interpretação, mas para quebrar a sisudez; por isso, Milcíades repete Tosão, Teseu, enfim, fala nos nomes todos numa confusão, para terminar dizendo que foi suruba.


  24. CERES OR NOT CERES  -  (“ É questão de deuses” – fala de Xenócrates ): Quando Escriba ( tímido ) diz “ Pro meu? Quem sabe?... Sou um pobre serventuário da Justiça... Procusto! Suplício de Procusto”, Xenócrates

  25. ( corta ): “ Ceres or not Ceres” - faz lembrar a dúvida do hesitante Hamlet

  26. em seu transe de insegurança “ to be or not to be “ ; terminando a fala, por considerar que o Procusto é questão de deuses.


  27. PROCUSTO  -  Era o salteador da Ática. Obrigava os viandantes a deitarem-se num leito de ferro e cortava-lhes os pés quando estes excediam o tamanho da bitola; foi morto por Teseu que lhe aplicou o mesmo castigo; o leito de Procusto é elemento de alusões na literatura; deixamos ao intérprete o recurso de leve gagueira para pronunciar pro-cu...custo.


  28. ESCRIBA  -  doutor que entre os judeus ensinava a lei ao povo; notário, escrivão. Não é um castrado, mas pode, às vezes, desmunhecar com um leve toque de bicha.


  29. ARMANDO MARQUES  -  juiz de futebol algo maneiroso. A galera vaiava, chamando-o de “bicha”!


  30. SAPA  -  era um apelido de Frinéia. Devo ter encontrado em alguma publicação de que não me lembro.


  31. PELOPONESO  -  luta memorável entre Esparta e Atenas que se prolongou de 431 a 404 A.C. e que terminou com a derrota dos atenienses.


  32. THETIS  -  filha de Nereu e mãe de Aquiles e mulher de Peleu.


  33. PELEU  -  filho de Eacop, Rei lendário de Iolchos ( mit. ).


  34. PERSEU  -  amado pelos deuses, tem na história vitoriosa aventura a serviço do Rei Polidetes no combate às gorgones, de onde trouxe a cabeça de Medusa.


  35. ORFEU  -  filho de Eagro, Rei da Thrácia, e da musa Calíope; era cantor e músico.


  36. SICHEU  -  esposo de Dido.


  37. Observação: Peleu, Perseu, Orfeu, Sicheu, tudo em “eu”, significa apenas um jogo de palavras rimadas sempre dentro das teorias de distanciamento de Brecht que admite o recurso da pré-representação, segundo observação de Jean-Jacques Roubiné, dá-se aí o rompimento da identificação do espectador e do ator com a personagem.


  38. DIDO  -  filha de Belo, Rei de Tiro; era ela irmã de Pigmalião; foi pra África, fundou Cartago; é personagem importante do poema de Vergílio.


  39. NETUNO  -  deus do mar, filho de Saturno e irmão de Júpiter e de Plutão. Histórico: cavalos de crina de ouro, em seu palácio no fundo do mar.


  40. APELES  -  o mais célebre dos pintores gregos; era humilde diante dos seus erros.


  41. BOTICELLI  -  famoso pintor italiano; nasceu em Florença ( 1447/1510 ).


  42. PLUTO  -  deus mitológico das riquezas; fazia parte dos deuses infernais; o jogo de intenção pornô, para ser confundido com puto.


  43. PROSERPINA  -  filha de Ceres e de Júpiter; foi raptada por Plutão quando colhia flores; ficou sendo a Rainha do Império das Sombras, o Inferno; na Sicília era símbolo de fidelidade; o nome de Proserpina é citado para atingir o distanciamento, isto sem quebrar a sisudez ou mostrar que se trata de uma brincadeira, de um divertimento, um momento lúdico.


  44. TIRÉSIAS  -  adivinho de Tebas, cujos habitantes o adoravam como um deus; seu rival na antiga Grécia era Anfiarau.


  45. TOSÃO DE OURO  -  Ordem do Tosão de Ouro – fundada EM 1429 por Filipe o Bom, Duque de Borgonha; há ainda a história dos pomos de ouro do Jardim das Hespérides – as filhas de Atlas ( 3 ) possuíam um jardim cujas árvores produziam frutos de ouro, guardados por um dragão de muitas cabeças; Hércules matou o dragão e roubou os pomos; Tosão de Ouro é para confundir com tesão jóia, como já foi dito.


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