ALDO CALVET

 

Gênero:                

  1. Drama em 1 ato

  2. (Inspirado em “Varka” conto de Tchekhov)


PERSONAGENS:

  1. GERMANA  - a serviçal, moçoila de 16 anos

  2. MULHER  -  a mãe

  3. MORIBUNDO  -  o pai

  4. PATRÃO 

  5. PATROA 

  6. CAMELÔ

  7. VOZES E FIGURANTES


CENÁRIO:

  1. Uma rotunda preta


ESPAÇOS CÊNICOS:

  1. Divisões – Três Setores:

  2. Setor nº 1,à E.

  3. Setor nº 2, ao Centro

  4. Setor nº 3, à D.

COMPOSIÇÕES:

  1. 1º Instante dramático – Setor nº2 - quarto de dormir – cena fixa – uma parede (aplique) de cal (fundinho), vendo-se pendente dela um crucifixo. Móveis: um berço de balanço e um tamborete. Personagem: Germana, a serviçal ( Só ).


  2. 2º Instante dramático – Setor nº 1 – apenas um foco de luz. Personagem: Germana ( Só ).


  3. 3º Instante dramático –  Setor nº 2 - Mesma cena do 1º Instante Dramático. Personagens: Germana e Patrão.


  4. 4º Instante Dramático -  Setor nº 3:  Detalhe único – uma enxerga sobre a qual está um enfermo. Personagens: Moribundo, Mulher, Médico e Germana.


  5. 5º Instante Dramático -  Setor nº 1 - Detalhe único: paisagem campestre ( Aplique ) . Personagem: Germana (Só)


  6. 6º Instante Dramático – Setor nº 2 – Mesma cena do 1º Instante Dramático. Personagens: Patroa e Germana.


  7. 7º Instante Dramático – Setor nº 3 – Detalhe único: esquina de rua ( Aplique ). Personagens: Camelô, Mulher, Germana, Transeuntes e Patrão.


  8. 8º Instante Dramático – Setor nº 2 – Mesmas cena do 1º Instante Dramático. Personagem: Germana ( Só)



ILUMINAÇÃO: 

  1. Para cada setor um foco de cima para baixo. Luz intensa, exceto para o 2º Setor em que devem ser projetados, de forma bastante perceptível, uma mancha verde e uma sombra preta.



SOM: 

  1. Choro de criança; estridulação de grilo; batida de martelo0 de sapateiro em sola; rumores, vozes, arranco e buzina de automóvel; chilrear de pássaros; mugir de bois; cocorocô de galo; piar de pinto.



MÚSICA: 

  1. Fundo musical com melodia de “A Canoa Virou”

  2. ( popular e tradicional brinquedo de roda infantil)


TRECHOS:

  1. “1º INSTANTE DRAMÁTICO – Setor nº 2

  2. Iluminação sombria.

  3. Ao abrir o pano, ouve-se o fundo musical entremeado de forte choro de criança.

  4. Sonoplastia: estridulação de grilos.




  5. GERMANA  -  ( De avental comprido, sentada ao lado esquerdo do berço, balançando-o e cantando ) A canoa virou/ deixá-la virar./Por causa do Naninho/ que não soube remar./ Se eu fosse peixinho/ E soubesse nadar/ Tirava o Naninho/ Do fundo do mar.

  6. ( Repete mais duas vezes o canto. O choro diminui. Germana espia para dentro do berço. Novo choro forte. Germana volta a embalar o berço e a cantar) : A canoa virou/ Deixá-la virar/Por causa do Naninho/ Que não sobre remar./ Se eu fosse  um peixinho/E soubesse nadar/ Tirava o Naninho/ do fundo do mar.

  7. ( Antes de repetir, boceja e esfrega os olhos com as mãos. Espreguiça-se. Volta a cantar, sempre, porém, fazendo sucessivas paradas para levar a mão à boca e bocejar. Vê-se que Germana tudo faz para vencer ou dominar o sono, mas é impossível, porque seus olhos fecham ao peso das pálpebras cansadas e sonolentas. Algumas vezes, vencida pelo sono, cochila, aproveitando os breves momentos em que a criança não chora. Dentro desses silêncios é que se ouvem vozes, palavras esparsas que vêm do outro cômodo da casa onde os patrões e convivas jogam Biriba).” ...





  8. “5º INSTANTE DRAMÁTICO  -  Setor nº 4

  9. Iluminação clara.

  10. Sonoplastia: Canto de pássaros, mugir de bois, cocorocó de galo, piar de pinto etc.



  11. GERMANA -  ( Só. Traja vestido simples de roceira. Ficando na ponta dos pés, lança os olhos distante.Como falando para duas amiguinhas de adolescência ) Deixa os baldes no poço. Vamos ver a campina. Eu gosto de correr de pé no chão pela campina. ( Para um lado e para o outro ) Maria Rosa, Rosa Maria, vamos correr pela campina? Sim. Todas nuas. De pé no chão. Como os moleques da rua. Vamos brincar de pega-pega?

  12. (Dando sinal de partida com a mão ) Já.  Pega!  Pega!


  13. ( às gargalhadas ) Pegou. Assim. Isso, Rosa Maria. Assim, Maria Rosa. Pegou! ( Depois de ligeira pausa ) Pegou! Maria Rosa, corre. Tu tá ficando pra trás. Não corre devagar. Corre depressa. Vê se tu me pega. Vamos pegar Rosa Maria. ( Ordenando ) Corre! Corre! Corre! ( Já com alguma fadiga na voz ) Lá... vai... Rosa... Ma-ri-a... parece par... pardal espantado quando foge da atiradeira do Toninho. Tá quase chegando no lugar donde a terra esbarra no céu... ( Com um passo para trás, apavorada, quase sem fôlego ) Cui-da-do! ... ( Recua mais uns passos, apontando ) Olha, Maria Rosa, olha lá! Que cobrão! ( Com os olhos esbugalhados a fixar a serpente, mas com excitante calor sensual na voz ) Olha, olha como se levanta do chão! Tá querendo subir pelas pernas da gente... Uê! Como se enrola como um cipó e é de uma porção de cor! ( Numa mudança brusca ) Pai, deixa a enxada. A noite vem vindo do lado de lá donde a beira do céu chega a juntar com a terra. A noite tá chegando, pai, já está em riba das montanhas; logo vai cair nas árvores, vai escorregar pelos troncos, vai escorregar de rastro pela campina. De manhã cedinho, nem é dia ainda, pai toca a cavar a terra. Deixa a enxada, pai. Vamos esperar os arados dos homens da cidade. ( Com euforia ) Olha lá, pai, a noite. Me ensina, pai, contar as estrelas que tremem dependuradas lá no escurão do céu. ( Passando as mãos pelos cabelos ) Tou com os cabelos todo molhadinho. ( Esfregando os lábios ) Que cheiro quente de terra molhada! Meu corpo está como ma poça dágua. Água dos pingos da neblina. Tá ficando turvo dos nevoeiros da madrugada. Ui! Que frio! De manhã, a chuva tá chovendo, eu estou deitada. Mal abro os olhos, o sol já vai alto. Os raios do sol no couro cabeludo da gente parece espinho, o calor do sol entra na gente e arde como queimaduras de urtiga. Ah! Como é bom ser possuída pelos raios do sol das manhãs no campo! ( Pausa ) O campo! Campo sem lavrador. O fogo queimou todas as plantações. Não tem arado pra cavar a terra. Quede roceiros? Quede os plantadores do povoado? Velhas enxadas! Pobres bois! Pra lá e pra cá sem pastar. Sinhá Hermínia, eu acho que por mode da viração, nós vamos ter chuva. ( Chamando ) Pai! Volta pra casa. Não me larga sozinha na estrada. Os tempos estão virando e lá pro chapadão tá escurecendo tudo! ( Num tom de fingido respeito ) Bom dia senhor vigário. Meu pai está melhor, sim senhor. Depois da operação danou a melhorar um bocado. Vou, sim senhor. Só não fui pra missa domingo que passou porque mãe não estava passando bem. Eu fiz até promessa, sabe, senhor vigário? Nossa Senhora Mãe dos Pobres... Que Deus acompanhe também o senhor, senhor vigário. A sua abênção. ( Choramingando ) Não, professora. Não fugi da escola. Mãe doente, pai doente, fiquei sozinha pra olhar a roça, pra cuida da casa, pra fazer comida, dar os remédios. Nunca mais pude ir à escola. E faz mais de ano. ( Fechando os olhos e repetindo palavras soltas em tonalidades diversas ) Escola. Professora! Es-co-la... Pro-fes-sora...” ...





  14. “8º INSTANTE DRAMÁTICO  -  Setor Nº 2

  15. Mesma cena do 1º Instante Dramático.

  16. Sonoplastia: Choro forte de criança.



  17. GERMANA  -  ( Cantando ) Seu eu fosse um peixinho/ E soubesse nadar/ Tirava o Naninho/ Do fundo do mar/ ( Embala o berço. O menino não pára de chorar. Germana se levanta, nervosa, ajoelha-se diante do crucifixo. Reza baixinho. Volta ao berço ) A canoa virou/ Deixa-la virar/ Por causa do Naninho/ Que não soube remar/ Se eu fosse um peixinho/ E soubesse nadar/ Tirava o Naninho/ do fundo do mar. ( O choro diminui aos poucos. Germana pára de cantar. Mas logo volta o menino a chorar forte. Germana põe-se a cantar outra vez ) A canoa virou/ Deixá-la virar/ Por causa do Naninho/ Que não soube remar. ( Completamente arrasada pelo cansaço, a custo e com esforços inauditos vai conseguindo dominar o sono, esfregando os olhos com as mãos, parando cada vez para embalar o berço, mas mesmo assim, de quando em quando, cochila e desperta quase no momento de levar um tombo, pois basta parar ou sentar, para ver-se subjugada pelo sono. Germana agora senta. Recomeça o canto ) A canoa virou/ Deixa-la virar/ Por causa do Naninho/ Que não soube remar/ Seu eu fosse um peixinho/

  18. ( Interrompe, porque percebe que o menino não chora mais. Respira. Recosta a cabeça na parede. Parece que vai descansar. Logo, novo choro forte. Germana desperta. Reinicia o canto. Mas quase não consegue completar as sílabas ) A ca-noooa viroou... ( Depois de um cochilo) Deixá-la virar/ Por causa do Nanin... Nanin... ( Mesmo jogo ) Naninho/ Que não soube... sou-be... re-re-re... ( Outra vez ) Se eu fosse um ... um peixinho/ E so-so-soubesse... ( Choro bem forte. Germana desperta. Põe-se a cantar com certo rancor que ela já não controla e não pode disfarçar ) A canoa virou/ Deixá-la virar/ Por causa do Naninho/ Que não soube remar/ ( Embala o berço. Levanta-se. Caminha. Sempre cantando com revolta, sob impulsos incontroláveis ) Se eu fosse um peixinho/ ( O choro aumenta ) E soubesse nadar/

  19. ( Germana, traída pelo subconsciente, fixa o berço ) Deixava o Naninho/ no fundo do mar/ ( Ao pronunciar “fundo do mar”, tem como a idéia sinistra, cujo horror, a princípio, reflete nas faces, retratando os transes da asfixia, cobre o rosto com as mãos, sacode a cabeça, pára, fica estática. Aos poucos, ganha serenidade. O choro continua. Germana lança os olhos para o berço. Tenta dominar-se, cantando. Mas só consegue murmurar palavras desconexas ) ... fosse um peixinho... No fundo do mar... No fundo do mar.... No fundo do mar... ( Cala-se. De seus olhos rolam lágrimas pelas faces impassíveis e tranqüilas como a denunciar o paroxismo de seu desespero. É, afinal, o meio único de libertação. Refeita, caminha para o berço. Ajoelha-se. Lança as mãos dentro do berço, empregando os restos de força que lhe sobram e senta-se no tamborete, extenuada, enquanto o choro foi desaparecendo aos poucos. Germana, agora, com a cabeça recostada na parede, dorme. Sua fisionomia é tranqüila como a de um inocente sem remorsos ).”



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