ALDO CALVET

 
Aldo Calvet teatro dramaturgia Nicotina SA sinopse
  1. Escrita em 1970

  2. Revista em 1982

  3. Rio de Janeiro

  4. Esta peça só poderá ser representada, no todo ou em parte, seja por que processo for, mediante autorização expressa da SBAT – Sociedade Brasileira de Autores Teatrais


Gênero:  

  1. Farsa social – 3 atos


Premiada:

  1. com menção Honrosa no Concurso de Peças do Centro Latino Americano de Creación e Investigación Teatral – CELCIT – Venezuela – 1985-


leitura pública:

  1. Em 23.04.1997 – leitura pública no auditório da SBAT, sob direção de Léo Jusi.


SINOPSE:

  1. 1.Os meios de comunicacao divulgam que um cidadao de 125 anos acaba de ser pai. Mora em Inhauma e e cigarreiro de profissao.


  1. 2.Em um debate, medicos discutem a representacao do Brasil num congresso sobre cancer nos Estados Unidos. Diante da longevidade do cigarreiro de Inhauma, aventa-se a possibilidade de nao haver ele fumado, pois esta particularidade nao e ventilada na reportagem. Acreditam alguns da ciencia que seria um bom exemplo no mundo leva-lo ao conclave dos Estados Unidos.


  1. 3.Em face da crescente campanha contra o fumo, os empresarios tabagistas se reunem para tomar medidas de defesa, entendendo que a industria, o comercio, a lavoura, tudo relativo ao fumo esta ameacado de extincao em consequencia dos impostos excessivos e providencias outras humilhantes projetadas no Congresso Nacional como "Avisos", "Advertencias", nos macos de cigarro. As reacoes sao varias incluindo desemprego em massa com fechamento das fabricas, prejuizos incalculaveis dos trabalhadores e tambem do Tesouro que deixara de arrecadar taxas e impostos, fora as reservas em divisas, sabendo-se que o Brasil e o segundo maior exportador de fumo do mundo. Durante o exame da situacao critica, os empresarios tomam conhecimento da existencia do velho cigarreiro de Inhauma e acreditam que ele deve ter fumado toda a vida, constituindo, pois, prova de que o fumo nao prejudica a saude. Surge, entao, uma proposta: toma-lo como exemplo para uma grande publicidade.


  1. 4.Medicos e empresarios se defrontam com o velho cigarreiro de Inhauma o qual resiste a todas as insinuacoes para definir se fumou ou nao fumou. Para encerrar, ele aplica a indefectivel estrategia politica dos mineiros: "nao digo que sim nem digo que nao, muito pelo contrario."


  1. OBS. : - Tudo e feito em termos dramaturgicos. Nao se propoe fazer propaganda de fumo ou desta ou daquela marca de cigarro, ainda que se fale em diversas marcas. Uma propaganda sobre o tema seria contra producente. Toda a problematica do tabaco e posta em discussao em termos teatrais farsescos.



PERSONAGENS:

  1. a)

  2. DR. MIOCÁRDIO

  3. DR.CÂNCER

  4. DR. DIAGNÓSTICO


  5. PROBLEMA: 

  6. conferências sobre questões de saúde. Reuniões em defesa da campanha anticâncer e contra o fumo; promoções sobre a necessidade de declaração do homem de mais de século, em busca de exemplo como poderoso elemento de propaganda e catequese.

  7. INDUMENTÁRIA:  avental branco, barrete ou gorro branco.

  8. TIPOLOGIA: as personagens são suaves, conciliadoras, conselheiras, exceto em alguns momentos em que se exaltam e perturbam como criaturas de nível superior.



  9. b)

  10. COMENDADOR TRAGADA

  11. COMENDADOR BAFORADA

  12. COMENDADOR TABACO


  13. PROBLEMA:  reuniões de interesse comercial e industrial; discussão sobre a carência de crédito, em virtude da redução das vendas de cigarros; providências diversas, inclusive proposta de suborno para obtenção de pronunciamento favorável

  14. do homem secular sobre a inofensividade do fumo.

  15. INDUMENTÁRIA: bigodão. Terno e gravata. Enormes colarinhos brancos.

  16. TIPOLOGIA:  neste caso e nesta situação, as personagens aparecem sempre virulentas, violentas, apavoradas, ameaçadoras. Em tudo, tomam a forma de ataque como o melhor meio de defesa.



  17. c)

  18. DONA NICOTINA

  19. DONA NICOCIANA

  20. DONA SOLÂNEAS


  21. PROBLEMA:  A ameaça de desemprego que pesa sobre os maridos, amantes, noivos, namorados, filhos, operários, lavradores etc. e crise das fábricas e dos exportadores de fumo.

  22. INDUMENTÁRIA:  saias compridas de algodão riscadinho e chapelões de palha. Quando falam dos lavradores de fumo, usam chapelões de palha; quando falam dos cigarreiros, tiram os chapelões.

  23. TIPOLOGIA:  as personagens aqui são brigonas, exasperadas. Julgam-se injustiçadas, ameaçadas pela miséria.



  24. d) LINGUASSOLTA -  É o narrador. Simboliza a imprensa, jornal mural, falado, televisão, impresso – a comunicação.


  25. PROBLEMA: descobre que um homem de mais de século de idade vai ser pai. Faz reportagens sensacionais. Porque se trata de um cigarreiro de profissão.  Nunca pôde afirmar se o “herói” fuma ou não fuma. A omissão dessa particularidade criou a grande disputa entre grupos interessados. Mutismo total. O escândalo da paternidade é, assim, absorvido pela questão maior: os problemas causados pelo fumo.

  26. INDUMENTÁRIA:  roupa feita de jornal, microfone, vestes bizarras e extravagantes.

  27. TIPOLOGIA: a personagem retrata o gozador por excelência; é exatamente aquela figura que ri vendo o circo pegar fogo.



  28. e) - VELHO –


  29. OBS.:  As personagens desta farsa são simbólicas, de modo que se transfiguram em plena cena aberta. Ora aparecem como médicos, ora como mercadores, comerciantes, industriais, ou, ainda, travestidos de esposas, noivas, namoradas, amantes, filhas ou de trabalhadores no mercado de fumo e, finalmente, no velho cigarreiro.



CENÁRIO:

  1. Uma rotunda de cor neutra guarnece o palco pelas laterais D. e E. e pelo F. – significa a dimensão do espaço universal. A iluminação é que focaliza os grupos quando se formam. Uma tela para projeção de filmes, nas diversas transmutações.



DECORAÇÃO DO AMBIENTE – PLATÉIA:

  1. A sala de espetáculo deve ser decorada com cartazes grandes e pequenos de propaganda de marcas de cigarros, charutos, cigarrilhas etc. Convém ilustrar essa decoração com fotos de celebridades que também se tornaram famosas universalmente, porque se apresentavam em público sempre fumando charuto, tal como Churchill e o nosso Villa Lobos.


TRECHO:

  1. 1º ATO


  2. Inicia com o personagem LIGUASSOLTA que é uma síntese simbólica da imprensa escrita, falada e televisada.

  3. Após as três pancadas clássicas de Molière, um projetor o focaliza e acompanha, como em espetáculo de variedade ou em circo.


  4. LINGUASSOLTA – (Canta a canção “Jornal-Jornal-Jornal”)

  5. Rodou o jornal,

  6. Se escuta distante

  7. Da máquina gigante

  8. O cansaço final.

  9. Jornal! Jornal! Jornal!


  10. Em nota informal

  11. Pai-Coroa, fabricante

  12. Se também é fumante

  13. De cigarro infernal?

  14. Jornal! Jornal! Jornal!


  15. Pai-Coroa, triunfal!

  16. - Eis o “óbvio ululante”...

  17. E do fumo inconstante

  18. Inimigo pessoal?

  19. Jornal! Jornal! Jornal!


  20. Mistério abismal:

  21. Pai-Coroa, arrogante,

  22. Nada fala, obstante,

  23. Conflito colossal.

  24. Jornal! Jornal! Jornal!


  25. (Agora, Linguassolta se transmuda em jornaleiro, apregoando a manchete)


  26. O pai mais velho do mundo! Virilidade secular! Reportagem completa do cigarreiro de Inhaúma! Pai aos cento e vinte e cinco anos! Oitenta e seis filhos! O mais velho tem cento e um! O caçulinha... dois meses! Tem cento e quarenta e nove netos! Duzentos e quatro bisnetos! Trezentos e oito trinetos! Quatrocentos e seis tetranetos! Todos passando fome! Fenômeno! Maior salário-família do mundo de todos os tempos! (Ri) Prêmio Nobel de Paternidade! (Ri) Reportagem completa do cigarreiro de Inhaúma! Um coração que não envelhece! Vigor testicular pra ninguém botar defeito!


  27. (E a voz do pregão vai se tornando distante até desaparecer de todo com o escuro sobre Linguassolta. Em atitudes caricaturais, Dr. Miocárdio, Dr.Câncer e

  28. Dr. Diagnóstico)


  29. DR. DIAGNÓSTICO – (Falando para a platéia) Colegas! Nesta reunião da nossa Confederação de Medicina, quero reafirmar, expor e pôr em debate a evidente relação entre o fumo e o câncer pulmonar. O grande agente cancerígeno do cigarro, tomem nota, é, sem dúvida, o 2-4 Bencopireno, extraído do alcatrão do tabaco.


  30. DR. MIOCÁRDIO – (Gaiato) Tabaco! Babacobaco! Ô palavrinha safada..


  31. DR. DIAGNÓSTICO – Safada seria babaca. É tabaco.


  32. DR. CÂNCER – O alcatrão e a nicotina, quem diria, né?


  33. DR. DIANGÕSTICO – Pesquisadores suecos, em estudo científico sobre o hábito deletério de fumar (acende um cigarro e tira várias e longas baforadas) dão os informes seguros dessa relação de corpos..


  34. DR.CÂNCER – (Corta) Espere, nobre colega Dr. Diagnóstico, vamos pôr tudo em debate. Relações de corpos é relações sexuais, né? (Ri)


  35. DR. MIOCÁRDIO -  Dr. Câncer, brincadeira tem hora. Lembre-se que o Doutor Diagnóstico é um especialista. Fala para esta reunião de médicos com seriedade.


  36. DR. DIAGNÓSTICO – (A Miocárdio) Obrigado, Dr. Miocárdio. Falo de Brigitta Floderus, da Suécia. Ela afirma que “existe uma evidente conexão entre o fumar e o câncer pulmonar”. Existe. Que existe, existe. (Fuma)


  37. DR. MIOCÁRDIO – (Com um cigarro na mão. Tira uma tragada) Não fumo mais! (Ameaça jogar fora o cigarro. Não joga. Fuma)  Foda-se!


  38. DR. DIAGNÓSTICO – (Para a platéia) Floderus estudou o câncer em gêmeos. Num estudo clínico de mais de quatrocentos gêmeos fumantes, encontrou três casos de câncer.


  39. DR. MIOCÁRDIO – Gêmeos fumantes. Ih! Sou gêmeo e sou fumante... Tô fudido!


  40. DR. CÂNCER – Três casos? É muito pouco...



  41. DR. MIOCÁRDIO – (Corta) Numa porrada de gêmeos...


  42. DR. CÂNCER – Em quatrocentos e tantos gêmeos, é muito gêmeo pra pouco câncer.


  43. DR. MIOCÁRDIO – Meu caro colega Dr. Diagnóstico, não compreendo que, diante de tantos colegas no debate, você, fazendo este relato, fique praí fumando desse jeito.


  44. DR. DIAGNÓSTICO – Desculpem. Não consegui, ainda, afastar o vício. Vou deixar. Juro! Vou deixar. Espero nunca mais pôr um cigarro na porra da boca.


  45. DR. CÂNCER – Bravo! Porque, fumando assim como um morcego, não dá...


  46. DR. DIAGNÓSTICO -  (Corta)  E morcego fuma?


  47. DR. CÂNCER – Fuma paca!


  48. DR. MIOCÁRDIO – (Eufórico. Fuma e canta o tango) “Fumar é um prazer genial, sensual.. Fumando espero”..


  49. DR. DIAGNÓSTICO – (Completa cantando) Um câncer fulminante..


  50. DR. CÂNCER – (Puxa um cigarro, acende e fuma) Sabe que é pecado fumar?


  51. DR. MIOCÁRDIO – Pecado? Nunca ouvi falar.


  52. DR. CÂNCER – Foi o Papa quem falou.


  53. DR. DIAGNÓSTICO – (Depois de uma grande tragada, soltando a fumaça, a Miocárdio) Você está se matando. Não lhe dou seis meses de vida...


  54. DR. MIOCÁRDIO – (Corta. Apontando) Eu fumo, ele fuma, tu fumas...


  55. DR. CÂNCER – O Conselho Federal de Medicina proíbe. Todos nós sabemos.


  56. DR. MIOCÁRDIO – É... Como vamos proibir nossos clientes de fumar se nós fumamos, porra!


  57. DR. DIAGNÓSTICO – O Dr. Miocárdio tem razão. (OT, para a platéia) Houve uma incidência de câncer nos homens que fumam e não nas mulheres que fumam.


  58. DR. MIOCÁRDIO – (Olhando para Câncer) Tá explicado. Você está imune.


  59. DR. DIAGNÓSTICO – O câncer não ataca mulher.


  60. DR. CÂNCER – (Desmunhecando) Ai, que delícia! Vou fumar, fumar, fumar..


  61. DR. DIAGNÓSTICO -  Mas o Sarcoma de Kaposi, a famosa AIDS, é que é a doença da moda. (OT) No Instituto Nacional de Saúde Pública de Estocolmo...


  62. DR. MIOCÁRDIO – (Corta)  Estocolmo. Ai que delícia!


  63. DR. DIAGNÓSTICO – Você conhece Estocolmo?


  64. DR. MIOCÁRDIO – Não.  Nunca estive lá.


  65. DR. DIAGNÓSTICO – Eu estive. Verificamos lá, numa reunião, que o hábito de fumar dos médicos suecos difere muito do hábito de fumar dos médicos americanos.


  66. DR. CÂNCER – Os médicos americanos deixaram de fumar. Ja´os suecos, não.


  67. DR. DIAGNÓSTICO – Os suecos, não. O doutor sueco William Whitby diz que o cigarro é um bode expiatório.


  68. DR. MIOCÁRDIO – Os médicos suecos são é bagunceiros como nós.


  69. DR. CÂNCER – (Para Miocárdio) Protesto! E a reação científica a favor do tabaco?


  70. DR. DIGNÓSTICO – O livro de William Whitby é polêmico. Ele afirma que tanto os fumantes como os não fumantes podem contrair câncer nos pulmões.


  71. DR. MIOCÁRDIO – (À platéia) Colegas, não se excitem. Eu li o livro. É bestialógico. Chega a afirmar que a Alemanha perdeu a guerra porque Hitler era contra o fumo...


  72. DR. DIAGNÓSTICO – (Corta)  Isso mesmo.


  73. DR. MIOCÁRDIO – Que a Inglaterra venceu, porque Churchill vivia de charuto aceso.


  74. DR. CÂNCER – E as Malvinas? Margaret Thatcher... “n’est pas une femme..”


  75. DR. DIAGNÓSTICO – Mas não fuma. (OT. À platéia) Colegas, o Congresso Internacional do Câncer, em Houston, nos espera.


  76. DR. MIOCÁRDIO – Acha que nós da Confederação de Medicina devemos comparecer, fumando deste jeito?


  77. DR. CÂNCER – E sobre a contribuição da nossa Confederação?


  78. DR. DIAGNÓSTICO – O patrocinador do conclave, o FMI, desconfia que fumamos. Nas cartas de intenções afirmamos o propósito de não mais fumarmos, de largar o vício, que não éramos viciados. Fomos, então, nomeados representantes no conclave do Texas.


  79. DR. CÂNCER – Ih, que merda!


  80. DR. MIOCÁRDIO – Merda, não senhor. Temos que jogar o cigarro fora. Pelo menos durante as sessões. (Apanhando um jornal no chão. Para a platéia)  Neste jornal está um caso de grande interesse como matéria para o congresso.


  81. DR. CÂNCER – É mesmo?


  82. DR. DIAGNÓSTICO – Descobriram que em Inhaúma vive um cidadão com mais de cento e vinte anos...


  83. DR. CÂNCER – (Corta. Desinteresse) Ah, isso é comum lá pras bandas do Cáucaso.


  84. DR. MIOCÁRDIO – (Corta) Nos picos do Cáucaso é comum. Em Elbruz ou em Kazbeck.


  85. DR. CÂNCER – Foi onde Júpiter mandou acorrentar Prometeu.


  86. DR. DIAGNÓSTICO – Prometeu, Prometeu, mas não deu. De Prometeu tô cheio.


  87. DR.MIOCÁRDIO – Ora, um cara com mais de cento e vinte anos.


  88. DR. DIAGNÓSTICO – É. Cento e vinte e acaba de ser pai.


  89. DR. CÂNCER – Hein?! Verdade?!


  90. DR. MIOCÁRDIO – Puta merda!


  91. DR. CÂNCER – (Depois de uma gargalhada, imitando um velhinho) O papai aqui... olha o papai aqui...


  92. (MIOCÁRDIO e DIAGNÓSTICO gritam como vozes de apupos pela rua )


  93. DR. MIOCÁRDIO – Pai-avô! Pai-avô!


  94. DR. DIAGNÓSTICO – Pai-avô! Pai-avô!  (Marcação ad-libitum)


  95. MIOCÁRDIO  e DIAGNÓSTICO – (Juntos)  Pai-avô!


  96. DR.CÂNCER – É... O velhinho de Inhaúma não prometeu. Deu. Deu no couro. (Gesto)